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A autonomia privada na escolha do regime de bens aplicável ao casamento ou à união estável é prerrogativa assegurada no artigo 1.639 do Código Civil e pode ser exercida tanto antes como durante a união.

De forma antecipada, os nubentes ou conviventes têm ampla liberdade para estipular, quanto a seus bens, o que lhes aprouver, optando por algum dos regimes de bens elencados no Código Civil ou, ainda, por um regime híbrido, mesclando regras específicas dos diferentes regimes existentes para regular a futura união, por meio de pacto antenupcial e/ou escritura de união estável, independentemente da chancela jurisdicional.

Já durante o matrimônio ou união estável, o diploma civil estabelece que a alteração do regime de bens dependeria de autorização judicial, a ser concedida após verificada a procedência das razões invocadas pelos cônjuges (em pedido conjunto e motivado) e ressalvados os direitos de terceiros.

Sem prejuízo às fundadas críticas de que tal exigência implica intervenção estatal indevida no livre exercício dos direitos patrimoniais das partes — críticas com as quais coaduno —, é possível compreender a preocupação do legislador ao exigir das partes a submissão do pedido ao Poder Judiciário, como forma de assegurar que os cônjuges/conviventes tenham ampla e plena ciência das consequências decorrentes da alteração do regime de bens e de que a pretensão não tem o condão de lesar o direito de meação de um deles, assim como lesar eventuais credores-terceiros.

A questão é que, na prática, a previsão normativa de motivação do pedido passou a servir de fundamento para uma série de exigências judiciais, impostas como condição para homologação do pedido de alteração do regime de bens. Neste contexto, a demonstração pormenorizada do acervo de bens das partes tem sido exigência comum em ações dessa natureza.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se debruçou sobre o tema, quando do julgamento do recurso especial 1.904.498/SP, e concluiu que este tipo de exigência não encontra embasamento legal.

De acordo com o acórdão de relatoria da ministra Nancy Andrighi: “A melhor interpretação que se pode conferir ao §2º do artigo 1.639 do Código Civil (CC) é aquela no sentido de não se exigir dos cônjuges justificativas ou provas exageradas, desconectadas da realidade que emerge dos autos, sobretudo diante do fato de a decisão que concede a modificação do regime de bens operar efeitos ex nunc”.

Na decisão em comento, o STJ preconiza que todos, inclusive o Estado, devem respeitar os limites impostos pela necessária observância ao preceito da dignidade da pessoa humana que, por sua vez, impõe a proteção à vida e intimidade das pessoas. E que, ao exigir das partes motivação além do mínimo suficiente para aferir a licitude do pedido, há o risco de tolher indevidamente a liberdade das partes de escolherem como conduzir a vida em comum do casal.

O STJ anotou ainda, com muito acerto, que a presunção de boa-fé deve beneficiar os consortes e que, havendo justificativa plausível à pretensão de mudança do regime de bens e vasta documentação demonstrando a inexistência de prejuízo a terceiros, não há motivo para a exigência formulada nas instâncias inferiores quanto à juntada de relação detalhada dos bens do casal.

Outrossim, o STJ bem observou que os bens adquiridos pelas partes antes da sentença autorizando a mudança do regime de bens permanecem sujeitos ao regime anterior e, de tal sorte, o patrimônio continua a salvaguardar eventuais passivos que, no caso concreto, inexistiam. A este respeito, vale frisar que as partes podem optar por partilhar os bens comuns quando da modificação do regime de bens (de comunhão parcial para separação de bens, por exemplo) ou não, delegando a partilha para o futuro, quando do término do vínculo conjugal.

No caso analisado pelo STJ, o pedido foi motivado pelos cônjuges, em suma, porque 1) possuíam relacionamento saudável, estabilidade financeira e vida econômica independente, sendo que os bens de cada um já estavam separados de fato, e 2) porque um dos cônjuges assumiu a gestão do patrimônio dos pais e a mudança no regime de bens facilitaria tal atividade. Não há no ordenamento, todavia, um rol (taxativo ou exemplificativo) de hipóteses, de modo que a motivação deverá ser analisada caso a caso, em consonância com a realidade de cada casal.

Fonte: Conjur

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