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Área do Associado

FELIPE ESMANHOTO MATEO[1]

ALBERTO GENTIL DE ALMEIDA PEDROSO[2]

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. A NATUREZA JURÍDICA DA MULTA PENAL E LEGITIMIDADE ATIVA PARA EXECUÇÃO. 3. DO OBJETO DO PROTESTO: a sujeição à protesto da sentença penal condenatória. 4. O PROCEDIMENTO ESTABELECIDO PELO PROVIMENTO CG Nº 33/2020. 5. A RESOLUÇÃO Nº 1.229/2020-PGJ-CGMP. 6. CONCLUSÃO. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1. INTRODUÇÃO.

Já afirmava Miguel Reale que as disciplinas jurídicas representam e refletem um fenômeno jurídico único; não existe uma disciplina que nada tenha a ver com a outra[3]. O que pretende o presente artigo, portanto, é abordar duas disciplinas do direito que, nas obras gerais, não costumam ser estudadas de forma unitária: Direito Notarial e Direito Penal.

A Lei nº 9.286/96 inovou no Direito Penal ao proibir a conversão da pena de multa, em pena privativa de liberdade. Consequentemente, o legislador precisava dar-lhe um rito para execução no caso de não pagamento voluntário; optou, assim, por utilizar um já existente: o processo de execução fiscal da Lei nº 6.830/80.

Essa opção ensejou diversas dúvidas com relação à legitimidade ativa para a execução, assim como, quanto a própria natureza da multa penal, as quais apenas foram sanadas com o julgamento da ADI 3.150/DF pelo E. Supremo Tribunal Federal, com trânsito em julgado aos 02/06/2020.

Concomitante, o protesto extrajudicial também evoluiu. Ao tempo da promulgação da Lei nº 9.286/96, não havia no País uma legislação específica. Tinha-se apenas disposições esparsas sobre o tema, em vários diplomas[4]. Em 1997 advém a Lei nº 9.492/1997 que trouxe importantes inovações, dentre elas, a possibilidade do protesto de outros documentos de dívida. Sobreveio, ainda, o novo Código de Processo Civil de 2015, dispondo expressamente sobre a possibilidade do protesto da sentença transitada em julgado.

Agora, em 2020, o Ministério Público editou a Resolução Conjunta nº 1.229/2020-PGJ-CGMP, e a Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo publicou o Provimento CG nº 33/2020, ambos dispondo sobre o protesto da multa imposta em sentença penal condenatória.

A questão que se coloca, portanto, é examinar o procedimento do protesto, à luz das normativas editadas. Para tanto, imprescindível uma inicial abordagem sobre a natureza jurídica da pena de multa e da extensão da expressão “outros documentos de dívida”, prevista pela Lei do Protesto.

Superada essa questão, impõe-se, ainda, discorrer sobre as regras e fluxos de trabalho estabelecidos. Por se tratar de apontamentos iniciais com relação ao tema, optou-se por abordar as normas de maneira individualizada. No capítulo 4 examina-se o Provimento CG nº 33/2020; ao passo que no capítulo 5 discorrer-se-á sobre a Resolução Conjunta nº 1.229/2020-PGJ-CGMP.

Nessa atividade, pretende-se definir os meios de apresentação da sentença criminal ao protesto; o apresentante e credor do título; as formas de intimação do devedor/condenado; o repasse do numerário recebido pelo Tabelião e o cancelamento do protesto lavrado.

É o que se passa a fazer.

2. A NATUREZA JURÍDICA DA MULTA PENAL E LEGITIMIDADE ATIVA PARA EXECUÇÃO

Inicialmente, malgrado se trate de um artigo destinado ao protesto da multa imposta em sentença penal condenatória, impõe-se uma breve exposição com relação à história e evolução da natureza jurídica desta espécie de pena.

Pela redação da Lei nº 7.209/84, que reformou a parte geral do Código Penal, a pena de multa, não paga pelo condenado solvente, convertia-se em pena de detenção, na proporção de um dia de pena para cada dia-multa (art. 51, §§1º e 2º do Código Penal, na redação da Lei nº 7.209/84).

Visando por fim nessa espécie de prisão pelo não pagamento, a Lei nº 9.268/96 modificou o procedimento de cobrança do valor da multa penal, passando a considerá-la dívida de valor, com a aplicação das “as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição” (art. 51 do Código Penal, com a redação da Lei nº 9.286/96), a qual se entende como a lei de execuções fiscais (Lei nº 6.830/80).

Conforme bem ensina Guilherme Nucci, “a meta pretendida era evitar a conversão da multa em prisão, o que anteriormente era possível”.[5]

Porém, algumas dúvidas foram suscitadas, especialmente quanto à sua natureza e as consequências daí advindas. Tratando-se de sanção civil, sua execução teria curso perante as Varas da Fazenda Pública; por outro lado, permanecendo como sanção penal, deveria ser processada perante as Varas de Execuções Criminais, apesar de seguir o rito da Lei nº 6.830/80 (lei das execuções fiscais).

Nucci defendia que, por não ter perdido sua natureza penal, deveria ser executada pelo Ministério Público, perante as Varas das Execuções Criminais. Aliás, justamente por ser sanção penal, em caso de morte do condenado, a obrigação não passaria para os herdeiros, em razão da pessoalidade da pena, reconhecido pela art. 5, XLV, da CF[6].

No mesmo sentido, a lição de Cezar Roberto Bitencourt que, entendendo que a natureza jurídica da pena de multa criminal não sofreu qualquer alteração, defendia a execução perante as Varas das Execuções Criminais, pelo procedimento “regulado pelos arts. 164 a 169 da LEP, que, propositalmente, não foram revogados”[7]. O autor foi além para afirmar ser:

“injustificável a interpretação segundo a qual, após o trânsito em julgado, as multas penais devem ser inscritas em dívida ativa da Fazenda Pública, nos termos da lei. Que lei? Em primeiro lugar, a indigitada Lei n. 9.268/96 não prevê que a multa penal, em momento algum, deva ser inscrita em dívida ativa, como se tem afirmado; em segundo lugar, se previsse, seria uma heresia jurídica, pois transformaria um título judicial (sentença condenatória) em título extrajudicial (dívida ativa). (…)

Ficou interessante, por fim, a confusão criada por essa nova lei: o lapso prescricional continua sendo regulado pelo Código Penal (art. 114), mas as causas interruptivas e suspensivas da prescrição são as previstas pela Lei de Execução Fiscal (6.830/80), com exceção, é claro, da morte do agente.”[8]

Essa era, também, a lição de Maluly e Demercian. Para os autores, é lógica a atribuição do Ministério Público, por ser consequência de sua titularidade, exclusiva, da ação penal pública[9].

Por sua vez, as Turmas do Colendo Superior Tribunal de Justiça, apesar de reconhecerem a legitimidade da Fazenda Pública para ingressar com a execução da pena de multa perante o Juízo das Execuções Fiscais, divergiam em relação à possibilidade de extinção da punibilidade do agente (contra a extinção: STJ, RESP 843.296; a favor da extinção: STJ, HC 147.469).

O tema apenas foi pacificado com o julgamento do ERESP 845.902/RS, pela 3ª Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça, que tem competência para julgar a matéria de Direito Penal. Nos referidos Embargos decidiu-se que:

“PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. PENA DE MULTA. PENDÊNCIA DE PAGAMENTO. POSSIBILIDADE DE EXTINÇÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO CRIMINAL. DIVERGÊNCIA CARACTERIZADA. EMBARGOS ACOLHIDOS.
1. Considerando-se a pena de multa como dívida de valor e,
consequentemente, tornando-se legitimado a efetuar sua cobrança a
Procuradoria da Fazenda Pública, na Vara Fazendária, perde a razão
de ser a manutenção do Processo de Execução perante a Vara das
Execuções Penais, quando pendente, unicamente, o pagamento desta.
2. Embargos de divergência acolhidos, para negar provimento ao
Recurso Especial, mantendo-se, assim, a decisão proferida pelo Juízo
a quo e o acórdão confirmatório desta.” (STJ, 3ª Seção, ERESP 845.902/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, j. 25/08/2010).
 

Constou, ainda, do v. acórdão que:

“Dessarte, passando a pena de multa a ser considerada dívida de valor e, consequentemente, tornando-se legitimado a efetuar sua cobrança a Procuradoria da Fazenda Pública, na Vara de Fazenda Pública, perde a razão de ser a manutenção do Processo de Execução perante a Vara das Execuções Penais, quando pendente, unicamente, o pagamento desta.”

Logo, segundo o Tribunal de Cidadania, não paga a pena de multa no prazo estabelecido pelo art. 51 do Código Penal, esta passaria a ser considerada dívida de valor, com remessa da informação à Procuradoria Geral do Estado, que a executaria, por meio do processo executivo fiscal.

Com fulcro nesse julgado, a E. Corregedoria Geral do Estado de São Paulo editou o Provimento CG nº 11/2015 determinando a inscrição da multa não paga em Dívida Ativa, para execução pela Procuradoria Geral do Estado. Permitiu-se, ainda, fosse a punibilidade extinta com o tão-só cumprimento da pena corporal, ainda, que pendente o pagamento da multa.

Nesta época, portanto, com a inscrição em dívida ativa, o protesto da multa penal não apresentava grandes discussões. Até porque, seria apresentada por meio da Certidão de Dívida Ativa, cuja possibilidade do protesto não mais se discute, desde a edição da Lei nº 12.767/2012.

Ocorre que E. Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.150/DF, aos 13/12/2018, reconheceu que, embora a Lei nº 9.268/1996 tenha considerado a multa penal dívida de valor, ela possui caráter de sanção criminal, decorrendo daí a legitimidade ativa prioritária do Ministério Público para promover-lhe a execução. Eis a ementa do acórdão que foi publicado aos 06/08/2019:

“EMENTA: EXECUÇÃO PENAL. CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PENA DE MULTA. LEGITIMIDADE PRIORITÁRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO CONFORME. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO.

1. A Lei nº 9.268/1996, ao considerar a multa penal como dívida de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal, que lhe é inerente por força do art. 5º, XLVI, c, da Constituição Federal.

2. Como consequência, a legitimação prioritária para a execução da multa penal é do Ministério Público perante a Vara de Execuções Penais.

3. Por ser também dívida de valor em face do Poder Público, a multa pode ser subsidiariamente cobrada pela Fazenda Pública, na Vara de Execução Fiscal, se o Ministério Público não houver atuado em prazo razoável (90 dias).

4. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga parcialmente procedente para, conferindo interpretação conforme à Constituição ao art. 51 do Código Penal, explicitar que a expressão “aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”, não exclui a legitimação prioritária do Ministério Público para a cobrança da multa na Vara de Execução Penal. Fixação das seguintes teses: (i) O Ministério Público é o órgão legitimado para promover a execução da pena de multa, perante a Vara de Execução Criminal, observado o procedimento descrito pelos artigos 164 e seguintes da Lei de Execução Penal; (ii) Caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de 90 (noventa) dias, o Juiz da execução criminal dará ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (Federal ou Estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria Vara de Execução Fiscal, com a observância do rito da Lei 6.830/1980.” Sem grifo no original.

Ao julgar os Embargos de Declaração opostos pela Advocacia-Geral da União – AGU, o Excelso Pretório modulou “temporalmente os efeitos da decisão, de modo a estabelecer a competência concorrente da Procuradoria da Fazenda Pública quanto às execuções findas ou iniciadas até a data do trânsito em julgado da presente ação direta de inconstitucionalidade.” (ADI 3.150/DF).

O art. 51 do Código Penal sofreu, ainda, nova alteração de redação, por força da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), para definir, expressamente, a competência do Juízo das Execuções Criminais, conquanto, mantida sua previsão como dívida de valor. Essa a redação atual do artigo:

“Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.” Destacamos.

Nota-se, portanto, que, se anteriormente era reconhecida apenas a legitimidade ativa da Fazenda Pública, agora, com a promulgação do Pacote Anticrime e o julgamento da ADI 3.50/DF, o quadro normativo se alterou.

Malgrado consista em dívida de valor, reconhece-se que a pena de multa mantém sua natureza penal, de modo que o Ministério Público possui competência para sua cobrança e execução, como também sua atuação é prioritária e preferencial à da Fazenda Pública.

Consequentemente, deve ser reconhecida, da mesma forma, a legitimidade ativa prioritária do Ministério Público para promover o protesto da multa penal.

Por fim, cumpre esclarecer que o Ministério Público atuará como apresentante do título, e não como credor. A multa penal, conforme art. 49 do Código Penal, “consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa”. Logo, o credor do título executivo é o Poder Executivo que, no âmbito do Estado de São Paulo, criou o Fundo Penitenciário do Estado de São Paulo – FUNPESP (Lei Estadual nº 9.171/95), vinculado à Secretaria da Administração Penitenciária – SAP; e, no âmbito Federal, formou o Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN (Lei Complementar nº 79/1994), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e gerido pelo Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN.

3. DO OBJETO DO PROTESTO: a sujeição à protesto da sentença penal condenatória.

A Lei nº 9.492/1997, ao definir a competência e atribuições dos Tabeliães de Protesto, dispõe que: “Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida”.

Gonçalves Pereira sustenta, com razão, a inexistência de dúvidas quanto à expressão “títulos” que, em face da origem do instituto do protesto, vincula-se ao direito cambiário[10] e, portanto, aos títulos de crédito[11]. Incluem-se, nesta expressão, os títulos cambiais e os cambiariformes; típicos ou atípicos – desde observado os requisitos do Código Civil[12].

Contudo, o mesmo não ocorre com a expressão “outros documentos de dívida”, que ao inovar o conceito de protesto, suscitou diversas dúvidas quanto a sua extensão. Reinaldo Velloso dos Santos, em dissertação sobre o tema, sustenta que deve ser entendido como a “prova literal da dívida, revestidas das formalidades legais, representativa de obrigação positiva e liquida, ou seja, certa quanto à existência e determinada quanto ao seu objeto”[13].

Não difere do conceito adotado por Mario Camargo Neto. O autor, após analisar a expressão por meio de seus núcleos – documento e dívida – define “outros documentos de dívida” como a “prova literal e idônea, revestidas das formalidades legais, representativa do lado passivo de uma obrigação de conteúdo patrimonial”[14].

Entretanto, em um primeiro momento, a E. Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo firmou entendimento no sentido de que a expressão não ampliou, por si só, rol de títulos protestáveis. Para tanto, fazia-se necessária a previsão legal específica para este ou aquele título de crédito[15].

Essa sistemática, contudo, foi alterada em 2005. Com a aprovação, pelo Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Mário Antonio Cardinale, do conhecido parecer de lavra do MM. Juiz Assessor José Antonio de Paula Santos Neto, a E. Corregedoria Geral da Justiça passou a considerar “compreendidos como ‘documentos de dívida’, nos termos da Lei nº 9.492/97, sujeitando-se a protesto, sem prejuízo daqueles já admitidos para tanto, todos os títulos executivos judiciais e extrajudiciais previstos pela legislação processual”. Do parecer extrai-se ainda que:

“Partindo-se dessa premissa e considerando que, há muito tempo, é pacificamente admitido para efeitos falimentares o protesto de títulos executivos judiciais e extrajudiciais sem feição estritamente cambial (o que não deixou de ser reconhecido naqueles pareceres proferidos no proc. CG nº 2.374/97 e no proc. CG nº 1.500/02, com reiteração no proc. CG nº 168/03), a generalização dessa possibilidade, corolário da equiparação decorrente da sistemática atual, não representará novidade especialmente inusitada no âmbito do serviço delegado, pois estes outros documentos de dívida, embora apenas para aquela peculiar finalidade, já vem sendo protestados.”[16]

Essa posição não difere da adotada pelo C. Superior Tribunal de Justiça. Veja-se:

RECURSO ESPECIAL. PROTESTO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA, TRANSITADA EM JULGADO. POSSIBILIDADE. EXIGÊNCIA DE QUE REPRESENTE OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA LÍQUIDA, CERTA E EXIGÍVEL. 1. O protesto comprova o inadimplemento. Funciona, por isso, como poderoso instrumento a serviço do credor, pois alerta o devedor para cumprir sua obrigação. 2. O protesto é devido sempre que a obrigação estampada no título é líquida, certa e exigível. 3. Sentença condenatória transitada em julgado, é título representativo de dívida – tanto quanto qualquer título de crédito. 4. É possível o protesto da sentença condenatória, transitada em julgado, que represente obrigação pecuniária líquida, certa e exigível. 5. Quem não cumpre espontaneamente a decisão judicial não pode reclamar porque a respectiva sentença foi levada a protesto. (REsp 750.805/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/02/2008, DJe 16/06/2009)

Atualmente, essa concepção é reforçada pelo próprio Código de Processo Civil de 2015 que estabelece, em seu art. 517, a possibilidade de protesto da sentença transitada em julgado.

A propósito, o parecer de lavra do MM. Juiz Assessor Alberto Gentil de Almeida Pedroso, aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Renato Nalini, concluiu pela possibilidade de protesto da sentença transitada em julgado.

Posteriormente, editaram-se, ainda, os Provimentos CG nº 13/2015 e 53/2015 prevendo, expressamente, nas Normas de Serviço, a possibilidade deste protesto. O atual item 20 do Capítulo XV das NSCGJ/SP, dispõe que: “podem ser protestados os títulos de crédito, bem como os documentos de dívida qualificados como títulos executivos, judiciais ou extrajudiciais”.

Hodiernamente, portanto, não resta dúvida quanto à possibilidade do protesto dos títulos executivos. Porém, a discussão não se esgota aqui. Como se viu acima, a doutrina tem defendido a possibilidade de protesto de qualquer documento que caracterize prova escrita, de obrigação pecuniária líquida, certa e exigível.

A E. Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, na revisão geral do Tomo II das Normas de Serviço, promovida pelo Provimento CG nº 56/2019, incluiu, no Capítulo XV, previsão específica sobre o protesto de qualquer documento dotado de certeza, liquidez e exigibilidade.  Essa a redação de seu item 21:

“Além dos considerados títulos executivos, também são protestáveis outros documentos de dívida dotados de certeza, liquidez e exigibilidade, atributos a serem valorados pelo Tabelião, com particular atenção, no momento da qualificação notarial”. Grifei.

Entretanto, o estudo mais aprofundado quanto aos requisitos para protesto dos demais documentos extrapolaria a finalidade do presente artigo. Visando abordar a multa penal imposta em sentença criminal condenatória, é suficiente a conclusão pela possibilidade do protesto dos títulos executivos judiciais.

Sem prejuízo da legislação extravagante, referidos títulos estão dispostos no art. 515 do CPC, cujo inciso VI elenca a “a sentença penal condenatória transitada em julgado”.

E, malgrado a abordagem restrita em alguma doutrina, não vemos razão para limitar o protesto da sentença penal às obrigações a serem cumpridas em favor da vítima ou de terceiros. Note-se que tais obrigações, via de regra, consistem em efeitos secundários da sentença penal. Com mais razão, portanto, há que se possibilitar o protesto do efeito principal: a pena imposta.

Prevista como dívida de valor, em quantia líquida, certa e exigível, em favor do Fundo Penitenciário Estadual ou Federal (art. 49 do Código Penal[17]), tem-se que, pelo atual panorama legislativo, é possível o protesto da multa imposta em sentença penal condenatória.

Anote-se que, para tanto, sequer se faz necessária a inscrição em dívida ativa. Como bem decidido pelo Min. Luís Roberto Barroso:

“não há como equiparar o valor resultante de uma pena de multa criminal com um débito comum na Fazenda Pública. São institutos inconfundíveis. (…) Por essas razões, não me parece correto inscrever uma sanção criminal em dívida ativa da Fazenda Pública. Além de observar que a Lei nº 9.268/1996 não fez menção a esse respeito, não faz nenhum sentido transformar um título judicial condenatório (com força executória, portanto) em título extrajudicial”

Trata-se, portanto, do protesto da própria sentença penal transitada em julgado que, por si, já constitui título executivo judicial.

4. O PROCEDIMENTO ESTABELECIDO PELO PROVIMENTO CG Nº 33/2020.

Inicialmente, deve ser esclarecido que o Provimento CG nº 33/2020, por envolver o protesto de um título executivo judicial – logo, constituído dentro do processo penal – inseriu e alterou itens tanto do Tomo Judicial, como do Extrajudicial.

Ademais, consoante exposto acima, o protesto dos títulos executivos já é admitido pelas NSCGJ/SP, razão pela qual o provimento editado buscou regulamentar os aspectos práticos do procedimento do protesto.

Pois bem. No começo do ano de 2020, a E. Corregedoria Geral já havia editado o Provimento CG nº 04/2020 regulando a cobrança e execução da pena de multa, no âmbito judicial. Para tanto, estabeleceu-se que, nas condenações com trânsito em julgado à pena de multa, após a intimação do condenado para pagamento voluntário no prazo de 10 dias (art. 51 do Código Penal), que corre perante o Juízo da condenação, este determinará a expedição de certidão da sentença (art. 479-B e 480-A do Tomo I, das NSCGJ/SP), que será utilizada pelo Ministério Público para o ajuizamento da execução criminal (art. 538-A do Tomo I, das NSCGJ/SP).

Essa certidão, além de possuir o valor da dívida, contém todos os dados necessários para o protesto, especialmente, nome e CPF do devedor; a data do trânsito em julgado e o credor da multa (FUNPEN ou FUNPESP). Caso o condenado/devedor não tenha CPF – o que, inclusive, é objeto de convênio entre o CNJ e a ARPEN – para fins do protesto, é suficiente a indicação da filiação e do documento de identidade.

Assim, considerando que, para as sentenças cíveis, já se utiliza de certidão para o protesto, a mesma sistemática foi, aqui, adotada. A única diferença consiste no fato de que, já existindo uma certidão expedida pelo Juízo da Condenação – ao menos, no âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo – não há a necessidade de nova expedição pelo Juízo da Execução. Facilitam-se, com isso, as rotinas das unidades judiciais e os atos praticados pelo Ministério Público.

Com efeito, para dar início ao procedimento de protesto, basta a apresentação da aludida certidão de sentença (arts. 479-B, 480-A e. 538-A, todos do Tomo I das NSCGJ/SP).

Note-se que esta somente é expedida após o decurso do prazo de 10 dias para pagamento voluntário perante o juízo de conhecimento, quando já configurada a mora do condenado/devedor.

Porém, não se pode descurar que as condenações proferidas por Juízos de outros Tribunais Estaduais ou Federais também poderão ser apontadas a protesto. Nesta hipótese, parece-nos que deveria ser observado o art. 517, §1º, do CPC, aplicado por analogia, razão pela qual, a apresentação destes títulos executivos judicias deve ocorrer por meio de “certidão de teor da decisão”, com as indicações do §2º do mesmo artigo.

A bem da verdade, tratando-se de título executivo judicial, até mesmo as sentenças criminais proferidas pelos Juízos do Tribunal de Justiça de São Paulo poderão ser apresentadas por outro meio, v.g. certidão de objeto e pé expedida pelo Juízo da Execução. A previsão do item 20.4.1 do Cap. XV, como dito, é mera forma de facilitação dos atos a serem praticados.

Outro ponto disciplinado pelo Provimento CG nº 33/2020 – e ausente nas NSCGJ/SP com relação às sentenças cíveis – diz respeito à data de emissão e vencimento. Consta das normas e do parecer aprovado que “deverá ser adotada, como data de emissão e vencimento do título, a data do trânsito em julgado para partes, por representar a data de constituição do título executivo judicial protestado”.

Ocorre que, no Processo Penal, dificilmente a data do trânsito em julgado será a mesma para a acusação e para a defesa. Além da data de intimação ser diversa (o que, por si só, já torna diverso o dies ad quem), via de regra apenas uma das partes interpõe recurso. Nesses casos, por conseguinte, deve ser utilizada a data mais recente (ou seja, a que ocorreu por último), porque somente nesse momento o título executivo estará definitivamente constituído e haverá exigibilidade da prestação.

Com relação à atribuição para o protesto, a regra geral é a apresentação no lugar designado para pagamento[18]. Para os títulos executivos judicias as NSCGJ/SP fixou a “localidade de tramitação do processo ou na de domicílio do devedor”[19], o que está em consonância com as regras de competência do art. 516 do CPC.

Ocorre que a Câmara Especial do E. TJSP, em Conflito de Competência, decidiu que a multa deve ser executada na Comarca do Juízo da Condenação. Veja-se:

CONFLITO DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO DA PENA DE DIAS-MULTA APLICADA AO RÉU. DISTRIBUIÇÃO AO JUÍZO DA VARA DAS EXECUÇÕES PENAIS DE VOTORANTIM COMARCA EM QUE TRAMITOU O PROCESSO DE CONHECIMENTO. REDISTRIBUIÇÃO AO JUÍZO DA VARA DAS EXECUÇÕES CRIMINAIS DE SOROCABA, ONDE O RÉU ENCONTRA-SE PRESO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Cumpre observar que o STF, no julgamento da ADIN nº 3.150, houve por bem conferir interpretação conforme a Constituição Federal ao artigo 51 do Código Penal. 2. Seguindo o entendimento exarado, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo editou o Provimento nº 04/2020 da Corregedoria Geral de Justiça, especificando os procedimentos a serem adotados quando da execução da pena de multa. 3. Ocorre que, uma vez tendo a ação penal tramitado pelo Juízo da Vara Criminal da Comarca de Jacareí, a execução deverá se dar perante a Vara da Execução Criminal do mesmo foro em que tramitou o feito de conhecimento. 4. Ressalte-se que, tratando-se a presente execução de procedimento autônomo em relação à execução da pena restritiva da liberdade e no intuito de se evitar que referido feito tramite por diversos juízos, conforme o réu seja transferido de estabelecimento prisional ou mesmo obtenha progressão de regime penal, razoável se mostra que a demanda seja processada pelo Juízo da Vara das Execuções Criminais do foro originário da ação penal. 5. Conflito de Jurisdição julgado procedente para determinar o processamento da execução no Juízo suscitado. (TJSP;  Conflito de Jurisdição 0040414-45.2020.8.26.0000; Relator (a): Luis Soares de Mello (Vice Presidente); Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro de Sorocaba – Vara do Júri/Execuções; Data do Julgamento: 13/11/2020; Data de Registro: 13/11/2020)

E, de fato, parece-nos que a previsão contida no art. 516, parágrafo único, do CPC se refere exclusivamente ao cumprimento de sentença ajuizado pela vítima do delito; e não para a execução da pena de multa.

Por tais razões, entende-se que a apresentação deve ser realizada perante o Tabelionato de Protesto da Comarca do Juízo da Condenação.

Quanto à intimação, é necessário realizar alguns apontamentos. Isto porque, o condenado/devedor, provavelmente, estará cumprimento, concomitantemente, a pena privativa de liberdade. E, conforme dispõe o art. 76, parágrafo único, do Código Civil, o lugar em que cumprir a sentença, é o domicílio necessário do preso.

Caso esteja em gozo da suspensão condicional do processo ou usufruindo o livramento condicional, basta que a intimação seja endereçada ao seu domicílio, o qual deverá ser apontado pelo apresentante (Ministério Público). Note-se que a certidão será extraída logo após a condenação; assim, nos casos de concessão do livramento, o órgão ministerial deverá indicar o endereço atualizado do condenado/devedor.

No regime aberto, a intimação deve ser endereçada à Casa do Albergado (art. 93 da LEP). Porém, como se sabe, este regime, na grande maioria das vezes, acaba transformando-se no recolhimento em residência particular (art. 117 da LEP), ante a falta de vagas. Nesta hipótese, bastará a remessa à residência do condenado/devedor.

   Nos regimes fechado e semiaberto, por se tratar de domicílio necessário, a intimação deverá ser endereçada ao estabelecimento prisional.

Extrai-se, ainda, das NSCGJ/SP, que a intimação poderá ser feita através de portador do próprio tabelião; por meio da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT), com aviso de recebimento (AR); ou por qualquer outro meio, desde que o recebimento fique assegurado e comprovado através de protocolo, aviso de recepção (A.R.) ou documento equivalente, o que permite a contratação de serviços terceirizados (art. 14, §1º, da Lei nº 9.492/97 e itens 44.1 e 44.2 do Cap. XV, do Tomo II, da NSCGJ/SP).

Conquanto seja denominada de “pessoal”, João Baptista de Mello e Souza Neto esclarece, com fulcro no art. 14, caput, da Lei nº 9.492/97, que a intimação para fins do protesto considera-se realizada, com a mera entrega do respectivo documento no endereço do devedor, porquanto a lei federal não impõe a “necessidade de a intimação ser entregue à pessoa do devedor”[20].

No mesmo sentido, o item 44 do Cap. XV, do Tomo II, da NSCGJ/SP, que considera cumprida a intimação: “quando comprovada sua entrega naquele endereço ou, à vista do previsto no item 51 deste Capítulo, no que for encontrado”.

Entretanto, discorda-se do autor, ao sustentar a impossibilidade de acesso à prisão e que, portanto, a intimação deveria ser realizada, desde logo, por edital. No mais, caso o estabelecimento prisional ou o domicílio do condenado/devedor se situe em Comarca diversa da circunscrição territorial do tabelionato, ainda assim as NSCGJ/SP determinam que, antes da intimação por edital, deve ser tentada a intimação por carta.

O pagamento da multa dentro do tríduo legal deve seguir as regras já existentes nas NSCGJ/SP. Ou seja, “interessado poderá, a seu critério, fazer o pagamento em dinheiro, em cheque, por meio do Sistema SELTEC (Sistema Eletrônico de Liquidação de Títulos em Cartório mantido pelas instituições financeiras) e mediante boleto de cobrança” (item 65 das NSCGJ/SP).

Recebido o pagamento, o “Tabelião, no primeiro dia útil subsequente ao do recebimento do pagamento, colocará o dinheiro ou o cheque de liquidação à disposição do credor” (item 68).

A especificidade da multa penal consiste em seu credor, qual seja, o Fundo Penitenciário, que poderá ser o Estadual (FUNPESP) ou Federal (FUNPEN), de modo que a disponibilização deverá seguir a regra do art. 481 do Tomo I das NSCGJ/SP[21].

Sendo o credor o FUNPESP, a situação é simples; basta o depósito na conta corrente indicada. Contudo, nas hipóteses em que o credor for o Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN, o recolhimento deve ocorrer por meio de Guia de Recolhimento da União – GRU. Como as indicações devem ser realizadas pelo apresentante (item 68.1), no caso, o Ministério Público, este deverá fornecer, no momento da apresentação, a mencionada guia, com prazo de vencimento igual ou superior a 20 dias úteis.

Consoante consta no parecer aprovado (Processo CG nº 2020/113462):

“A adoção desse prazo faz-se necessária porque, além do tríduo legal, o item 47.1, do Capítulo XV, das NSCGJ/SP exige a renovação da intimação depois de ‘dez dias úteis, contados da remessa da primeira intimação, se dirigida essa para Comarca estranha à circunscrição territorial do Tabelionato competente’, e o item 53, do mesmo Capítulo, a considera infrutífera, somente após o ‘prazo de quinze dias úteis, contado da remessa da primeira intimação’.”

 Em seguida, a guia original e o respectivo comprovante (do recolhimento da GRU ou do depósito bancário), ficará à disposição do condenado/devedor (item 68.2).

Do contrário, não ocorrendo o pagamento; sustação ou desistência, o protesto deverá ser lavrado. Como apresentante do título e credor (alínea “e” do item 45), poderão ser apontados o Ministério Público e a Fazenda Pública respectiva, eventualmente com a menção ao Fundo Penitenciária a ele vinculado. Os referidos Fundos não possuem personalidade jurídica, o que prejudica figurarem como titulares do direito de crédito.

O cancelamento, por sua vez, está localizado no item 68.2.2, inserido na Seção VII, referente ao pagamento. Parece-nos que melhor seria a inserção na Seção X “DAS RETIFICAÇÕES, CANCELAMENTOS E AVERBAÇÕES”.

Pelo regramento estabelecido, o cancelamento deve ser precedido da apresentação do mandado expedido pelo Juízo competente, após declarar extinta a pena. Todavia, não se vislumbra óbice ao cancelamento com a simples apresentação de certidão de objeto e pé, constando a sentença de extinção da pena de multa e o trânsito em julgado.

5. A RESOLUÇÃO Nº 1.229/2020-PGJ-CGMP

Com certa antecedência em relação ao Provimento editado pela Corregedoria Geral, a Procuradoria Geral de Justiça e o Corregedoria Geral Ministério Púbico de São Paulo, regulamentaram a atuação dos Promotores de Justiça na cobrança e execução da multa, por meio da Resolução Conjunta nº 1.229/2020-PGJ-CGMP.

Além de normas destinadas à remessa, interna corporis, das certidões de sentenças criminais recebidas, a aludida Resolução dispõe, em seu art. 3º, que “o Promotor de Justiça com atribuição para atuação na Vara de Execuções Criminais, depois de conferir a certidão, deverá protestar a multa (Lei n. 9.492/1997) e/ou ajuizar a ação de execução”. O §1º do mesmo artigo esclarece que a opção pelo prévio protesto fica a “critério e entendimento” do Promotor de Justiça, que pode optar, desde logo, pela execução.

Quanto a opção pelo protesto, consta no fluxograma[22] desenvolvido pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Criminais (CAO-Crim), com auxílio do IEPTB – Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil, que:

“Se o condenado se encontrar, ainda que por conta de outra condenação, no regime prisional fechado ou semiaberto, poderá o Promotor de Justiça das Execuções Criminais, constatada a incapacidade econômica daquele ou observado o disposto no art. 3º, §1º, atento aos critérios da oportunidade e conveniência, postergar as medidas de cobrança da pena pecuniária para o momento em que aquele alcançar o regime aberto ou livramento. Optando por postergar, o Promotor de Justiça peticionará nos autos da execução penal (PPL) e juntará a certidão, mencionando suas razões e comunicando, na sequência, o Promotor de Justiça do Conhecimento.”. Grifei.

A postergação do protesto, para o momento em que o condenado alcançar o regime aberto ou livramento é medida salutar, de modo que deve ser festejada a advertência realizada. A uma, porque o protesto, com a consequente restrição do crédito, pouco influenciará a pessoa presa[23]. A duas, porque cumprindo pena em regime fechado ou semiaberto, a pessoa presa tem a obrigação de trabalhar, sob pena de cometer falta grave (art. 31 e 39, V e 50, VI, todos da LEP); este labor é remunerado (art. 29 da LEP), de modo que se mostra mais efetivo o ajuizamento da ação de execução, com desconto nos vencimentos, na forma do art. 168 do Código Penal[24].

No mais, sua dispensabilidade decorre do fato de se tratar de protesto facultativo, e não necessário; até porque, não acrescenta direito na esfera jurídica do credor e tampouco é condição para o exercício do direito de crédito.

Consta também na Resolução Conjunta nº 1.229/2020-PGJ-CGMP[25] que o Promotor de Justiça das Execuções deverá manter prévio contato com o Tabelião de Protesto, para estabelecer a forma de apresentação da certidão da sentença criminal que, por certo, não poderá contrariar a normativa estabelecida pela Corregedoria Geral da Justiça. 

Tem-se ainda que realizado o pagamento no tríduo legal, e efetuado o repasso do valor para o Fundo Penitenciário respectivo, o Tabelião de Protesto “remeterá os documentos ao Promotor de Justiça das Execuções Criminais[26]. Em um primeiro momento, a disposição pode causar certa estranheza, por representar comando destinado ao Tabeliães de Protesto, feito pelo Ministério Público, que não possui atribuição para regular a atividade extrajudicial. Contudo, não se pode descurar que o Ministério Público atua como apresentante e o art. 19, §2º, da Lei nº 9.492/97 já dispõe que “valor devido será colocado à disposição do apresentante no primeiro dia útil subsequente ao do recebimento”. No caso, a única diferença é que, no lugar do valor, será disponibilizado documento comprobatório do pagamento.

Contudo, o item 68.2.1 do Cap. XV, das NSCSGJ/SP determina que o original do documento comprobatório do repasse do valor do título pago seja disponibilizado ao condenado. Assim, o documento a ser enviado ao Ministério Público, para fins de comunicação ao Juízo do feito, deverá consistir em cópia simples do documento comprobatório do pagamento.

No ensejo, a normativa do Ministério Público positiva que lavrado o protesto, o respectivo instrumento será entregue ao apresentante, qual seja, o Ministério Público. Nesses casos, caso ocorra o adimplemento da multa perante o Poder Judiciário, como sói ocorrer, a parte interessada deve apresentar o mandado respectivo, para solicitar o cancelamento do protesto, mediante o pagamento dos emolumentos devidos.

Por fim, cumpre ressaltar que, malgrado se trate de atuação de um órgão estatal, a desistência do protesto é fato gerador de emolumentos.

7. CONCLUSÃO.

Realizado os estudos acima, é possível realizar algumas conclusões. O Excelso Pretório, ao julgar a ADI 3.150/DF, decidiu que o Ministério Público é o órgão legitimado para promover a execução da pena de multa, perante a Vara de Execução Criminal, observado o procedimento descrito pelos artigos 164 e seguintes da Lei de Execução Penal, em razão da natureza penal da sanção.

Por sua vez, a possibilidade do protesto dos títulos executivos judiciais, já reconhecido a certo tempo no Estado de São Paulo, tornou-se cristalino com a promulgação do Código de Processo Civil de 2015.

Portanto, a pena de multa, malgrado sua natureza penal, constitui “dívida de valor”, ou seja, crédito em favor da Fazenda Pública que, por isso, poderá utilizar do protesto facultativo como forma rápida e segura de prevenção de ações judiciais.

A apresentação deve ser realizada pelo Promotor de Justiça com atribuição para atuação na Vara de Execuções Criminais, no Tabelionato de Protesto do Juízo da condenação, conforme decidido pela Câmara Especial.

E, ao menos em relação às sentenças proferidas no âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo, se dará pela certidão da sentença extraída pelo Juízo da condenação, a qual não se confunde com a certidão de objeto e pé do processo. Contudo, isso não representa qualquer limitação. Nos termos do art. 517, §1º, do CPC, é possível a apresentação por certidão de objeto e pé, contendo o teor da sentença, em especial, para julgados de outros Tribunais.

As datas de emissão e vencimento do título será a mesma, qual seja, a do trânsito em julgado para as partes e, se diversas, a que ocorreu por último.

Quanto à intimação, para as pessoas presas, deve ser observado seu domicílio necessário. Em caso de progressão ao regime aberto ou concessão de livramento condicional, caberá ao Ministério Público informar o endereço atualizado do devedor/condenado. 

O pagamento também não apresenta especificidade em relação aos demais títulos. Altera-se, apenas, a forma de repasse do valor, que será mediante depósito em favor do FUNPESP, ou o recolhimento, por meio da GRU fornecida pelo apresentante, em benefício do FUNPEN. Em seguida, deverá ser fornecida cópia do documento comprobatório do pagamento para o Promotor de Justiça das Execuções Criminais, que noticiará o adimplemento ao Juiz de Direito.

Noutro giro, efetuado o protesto, o Tabelião deverá entregar o respectivo instrumento ao apresentante, no caso, o Ministério Público.

Por fim, concluiu-se que o cancelamento, apesar da regra disposta no Provimento CG nº 33/2020, poderá ser realizado com a apresentação do mandado expedido ou de certidão de objeto e pé, constando a sentença de extinção da pena de multa e o trânsito em julgado.

Feitos esses primeiros apontamentos com relação ao protesto da multa imposto em sentença penal transitada em julgado, almeja-se contribuir para uma maior difusão do tema.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 657/658.

BUENO, Sérgio Luiz José. Tabelionato de Protesto. 4ª ed – Indaiatuba: Editora Foco, 2020.

CAMARGO NETO, Mario. Tabelionato de Protesto. In: GENTIL, Alberto (Coord.). Registros Públicos. São Paulo: Método, 2020.

DEMERCIAN, Pedro H.; MALULY, Jorge A. Curso de Processo Penal. 3ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 695

GENTIL, Alberto (Coord.). Registros Públicos. São Paulo: Método, 2020.

NUCCI, Guilherme de S. Código Penal Comentado. 14ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2014.

PEREIRA, José Horácio C. G. Títulos e Documentos de Dívida Protestáveis. In: SOUZA NETO, João Baptista de M. e (Coord.). Manual do Protesto de Letras e Títulos – teoria e prática. São Paulo: Quartier Latin, 2017.

SANTOS, Reinaldo V. dos. Apontamentos sobre o protesto notarial. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, USP, 2012. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2132/tde-20032013-142914/publico/Apontamentos_sobre_o_Protesto_Notarial_Reinaldo_Velloso_dos_Santos.pdf

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002

SOUZA NETO, João Baptista de M. e (Coord.). Manual do Protesto de Letras e Títulos – teoria e prática. São Paulo: Quartier Latin, 2017.

SOUZA NETO, João Baptista de M. e. Intimação dos Devedores: Normatização e Casuística. In: SOUZA NETO, João Baptista de M. e (Coord.). Manual do Protesto de Letras e Títulos – teoria e prática. São Paulo: Quartier Latin, 2017.


[1] Mestre em Direito Civil pela USP. Pós-graduado em direito contratual pela EPD. Bacharel em direito pela Faculdade Damásio de Jesus – FDDJ. Foi advogado e Oficial de Registro Civil e Tabelião de Notas do Município de Alambari – Comarca de Itapetininga. Juiz de Direito no Tribunal de Justiça de São Paulo. Atualmente está convocado como Juiz Assessor da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo.

[2] **************

[3] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 6

[4] SANTOS, Reinaldo V. dos. Apontamentos sobre o protesto notarial. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, USP, 2012, p. 118. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2132/tde-20032013-142914/publico/Apontamentos_sobre_o_ Protesto_Notarial_Reinaldo_Velloso_dos_Santos.pdf

[5] NUCCI, Guilherme de S. Código Penal Comentado. 14ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 406

[6] CF, art. 5º, XLV: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”. Esclarece-se que a pena de multa não se confunde com a obrigação de reparar o dano; esta transmissível por herança.

[7] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 655.

[8] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 657/658.

[9] DEMERCIAN, Pedro H.; MALULY, Jorge A. Curso de Processo Penal. 3ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 695

[10] PEREIRA, José Horácio C. G. Títulos e Documentos de Dívida Protestáveis. In: SOUZA NETO, João Baptista de M. e (Coord.). Manual do Protesto de Letras e Títulos – teoria e prática. São Paulo: Quartier Latin, 2017, p. 34

[11] O art. 887 do Código Civil conceitua-os como o “título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.”

[12] CAMARGO NETO, Mario. Tabelionato de Protesto. In: GENTIL, Alberto (Coord.). Registros Públicos. São Paulo: Método, 2020, p. 907

[13] SANTOS, Reinaldo V. dos. Apontamentos sobre o protesto notarial. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, USP, 2012, p. 169. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2132/tde-20032013-142914/publico/Apontamentos_sobre_o_ Protesto_Notarial_Reinaldo_Velloso_dos_Santos.pdf

[14] CAMARGO NETO, Mario. Tabelionato de Protesto. In: GENTIL, Alberto (Coord.). Registros Públicos. São Paulo: Método, 2020, p. 907/908

[15] Parecer no Processo CG nº 2.374/1997, de lavra do MM. Juiz Auxiliar Marcelo Fortes Barbosa Filho, aprovado pelo então Exmo. Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição.

[16] Parecer no Processo CG nº 864/2004.

[17] CP, art. 49: “A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.”

[18] NSCGJ/SP, Tomo II, Cap. XV, Item 27: “Somente podem ser protestados os títulos, as letras e os documentos pagáveis ou indicados para aceite nas praças localizadas no território da comarca”

[19] NSCGJ/SP, Tomo II, Cap. XV, Item 27.3: “Os títulos executivos judiciais podem ser protestados na localidade de tramitação do processo ou na de domicílio do devedor.”

[20] SOUZA NETO, João Baptista de M. e. Intimação dos Devedores: Normatização e Casuística. In: SOUZA NETO, João Baptista de M. e (Coord.). Manual do Protesto de Letras e Títulos – teoria e prática. São Paulo: Quartier Latin, 2017, p. 213

[21] [21] NSCGJ/SP, Tomo I, Art. 481 – “O pagamento da multa penal, aplicada em consonância com o disposto no Código Penal e legislação especial que não dispuser de modo diverso, será efetuado no BANCO DO BRASIL, Agência 1897-X, conta n° 139.521-1, CNPJ nº 13.847.911/0001-09, em favor do Fundo Penitenciário do Estado de São Paulo – FUNPESP, juntando-se comprovante do depósito bancário nos autos. Nos demais casos, o pagamento será feito em favor e em nome do Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN, CNPJ 00.394.494/0008-02, UG 200333, Gestão 00001, por meio de Guia de Recolhimento de Receita da União – GRU, no BANCO DO BRASIL, identificando-se o referido depósito, conforme os seguintes incisos: (…) IV – 14600-5 – Receita referente multa decorrente de sentença penal condenatória (…)”. Grifei.

[22] Disponível em: http://biblioteca.mpsp.mp.br/PHL_IMG/RESOLUCOES/1229-Anexo2.pdf

[23] Tratando-se de título executivo judicial, este será o principal efeito do protesto, porquanto a prova da inadimplência pouca influência terá na execução.

[24] O E. S.T.F. declarou que permanecem vigentes os arts. 164 a 170 da LEP, na ADI 3.150/DF.

[25] Resolução Conjunta nº 1.229/2020-PGJ-CGMP, Anexo I, Item “2”. A resolução sugere as seguintes formas de apresentação: “(1) na forma presencial (o apresentante comparece ao Serviço, preenche um formulário, exibe um documento pessoal, apresenta o título cujo protesto pretende e solicita o pertinente registro); ou (2) remota (a solicitação se processa “ on-line” , mas se condiciona ao contato e concerto com o Tabelião, uma vez que cada Cartório possui um sistema próprio)”.

[26] Resolução Conjunta nº 1.229/2020-PGJ-CGMP, Anexo I, Item “4”. Consta, ainda, que incumbe ao Promotor de Justiça das Execuções Criminais “noticiar o adimplemento ao Juiz de Direito para exame da possibilidade de decreto de extinção da pena de multa mercê do respectivo pagamento

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