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Buscas por informações sobre o procedimento tiveram alta nos cartórios, escritórios de advocacia e até no Google

O futuro da enfermeira Aisha Correia é incerto e ela está preocupada. Trabalhando na linha de frente contra o novo coronavírus, a profissional teme os riscos de morte e já pensou em procurar um cartório para fazer seu testamento. Para não assustar a família com o assunto, ela está protegida com um nome fictício nesta matéria. De acordo com o Colégio Notarial do Brasil (CNB-BA), a busca por informações sobre os serviços de transferência de bens aumentaram na Bahia entre pessoas com comorbidades do grupo de risco da covid-19, idosos e profissionais da saúde.

Ferramenta que acompanha a evolução do número de buscas por uma determinada palavra-chave, o Google Trends apontou em 12 de abril que houve pico de buscas aqui no estado para o termo ‘testamento’. Desde o início da pandemia, mais de 235 atos — entre testamentos, inventários, partilhas e escrituras de doação — já foram feitos nos 507 cartórios baianos.

Conforme o CNB-BA, nos meses de janeiro, fevereiro e março deste ano, antes da doença começar a afetar o país, houve uma média de 177,3 atos realizados, quase a mesma da pandemia (177,5). Portanto, os números de documentos feitos na pandemia não são exatamente maiores do que em tempos normais.

Como os cartórios ficaram fechados e estão funcionando de forma reduzida em regime de plantão, os estabelecimentos têm atendido menos pessoas por causa do expediente menor. Mas o que a instituição explica é que mais gente tem entrado em contato buscando informações para conhecer os procedimentos.

“Num momento de adoecimento, a gente não vai conseguir definir nem pensar sobre isso. Essas conversas são importantes, a gente sabe que um dia a gente vai morrer, mas a gente nunca espera e deixa a conversa sempre pra depois”, comenta Aisha.

Para o CNB-BA, essa busca pelo serviço no país tende a aumentar nas próximas semanas, já que os estados brasileiros iniciaram a regulamentação destes procedimentos — exceto o testamento — por meio de videoconferência. Na Bahia, atos eletrônicos já são permitidos.

O inventário, por exemplo, é o documento que faz o levantamento do patrimônio deixado pela pessoa falecida e é obrigatório para que a partilha de bens seja feita entre herdeiros. Por aqui, este é o serviço mais procurado e 98 lavraturas deste tipo já foram feitas. Os testamentos, que asseguram o cumprimento da vontade do autor após a sua morte, aparecem em terceiro, com 42 lavraturas.

Busca por informações

Especialista em Direito da Família, a advogada Gabriela Pedreira Federico conta que no seu escritório foi possível notar uma busca por informações vinda de clientes que, normalmente, não costumariam se preocupar com o assunto de forma antecipada. Muitos deles queriam tirar dúvidas sobre o próprio processo de inventário e os custos disto. A principal preocupação relatada tem sido os filhos menores e ainda dependentes.

Condutor do projeto Cuidando da Enfermagem, que presta diferentes tipos de apoio à quem está na linha de frente, o enfermeiro intensivista Getúlio Morbeck detalha a natureza do medo destes profissionais. Ele conta que, inicialmente, pensava-se que os danos causados pela doença ficariam restritos aos idosos, mas a perda de colegas foi aumentando o temor entre o pessoal.

“O vírus está aí para todos, ele é devastador. As equipes de enfermagem vão para o trabalho receosas de voltar para casa, de ter contraído e propagar o vírus para os demais membros da família. É aí que vem a consequência da busca pelo testamento. Não somos super-heróis, estamos vulneráveis. Eu sou herói da minha família, do meu filho, minha mãe, minha esposa”, desabafa ele, que chama atenção ainda para a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), que garantem mais segurança aos trabalhadores.

De última hora

Presidente da Comissão de Direito da Família da Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia, a advogada Lara Soares explica que, historicamente, a sociedade ocidental evita tocar no assunto da morte. É comum pensar que planejar estas questões seria como atrair o fim da própria vida. “É como se o sujeito, futuro morto, estivesse emanando energia como se ela fosse retornar”, explica. A advogada acrescenta que, por causa dessa mentalidade, só 5% das empresas brasileiras — que são 90% familiares — chegam à terceira geração.

Há duas décadas atuando na área de Direito da Família, Elian Pires conta que os baianos têm o hábito de deixar o planejamento de sucessão para a última hora ou de nem mesmo fazê-lo. No entanto, num cenário pandêmico, o assunto da morte é impetuoso e força as pessoas a entenderem as suas consequências, aponta a também advogada Lizandra Colossi Oliveira.

Pós-graduada em neurociência e comportamento, Colossi afirma que o medo tem um lado benéfico quando é enfrentado. O objetivo de deixar os familiares melhor amparados e livres de inventários demorados e complicados pode conduzir as pessoas a tomarem medidas que darão mais conforto e menos conflito entre os entes.

“A morte gera efeitos jurídicos e o ideal é que o próprio autor da herança que um dia será transmitida aos seus sucessores faça um planejamento de como o seu patrimônio será transmitido. Isso evitaria muitos conflitos judiciais, além de ônus tributários no momento da sucessão”, indica Gabriela Federico.

Orientações

Existem dois tipos mais comuns de testamento: o público e o particular. O público é aquele registrado em cartório, que tem uma taxa fixa de R$ 600 na Bahia e precisa da assinatura de duas testemunhas que não sejam parentes. O particular é redigido à mão ou eletronicamente e também necessita de assinaturas de testemunhas sem vínculo familiar.

Para quem deseja orientações sobre o tema, é possível procurar gratuitamente a Comissão de Direito da Família da OAB-BA através do e-mail [email protected] ou da conta do Instagram @comissaodefamilia. A lista de cartórios e seus respectivos endereços e contatos fica disponível nos sites do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) e do Colégio Notarial do Brasil.

 

Fonte: Correio 24 horas

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