Ferramenta permite que valores fiquem sob custódia até o cumprimento do contrato; presidente do CNB/BA detalha como o serviço fortalece a segurança jurídica e pode transformar a cultura de negócios no estado
Um novo instrumento com potencial para alterar a lógica de segurança contratual nas transações privadas começou a operar na Bahia. Trata-se da Conta Notarial, serviço regulamentado pelo Provimento nº 197/2025 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que permite a custódia de valores em instituição financeira vinculada ao notariado, com liberação condicionada à verificação do cumprimento contratual. A ferramenta, inspirada nas chamadas escrow accounts e prevista no Marco Legal das Garantias (Lei nº 14.711/2023), já está disponível em 13 Cartórios de Notas do estado e deve se expandir gradualmente, conforme explica o presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção Bahia (CNB/BA), Giovani Gianellini.
Em entrevista, Gianellini detalha como a Conta Notarial funciona, quais transações são mais indicadas para seu uso e que impactos o novo serviço pode ter sobre a informalidade, a cultura jurídica local e o sistema de justiça.
Pagamento condicionado e verificação por tabelião
A proposta da Conta Notarial é simples, mas disruptiva: o valor de uma transação é depositado em custódia em um banco parceiro, e só é liberado após o tabelião confirmar que as condições previamente estipuladas em contrato foram integralmente cumpridas. “Diferente dos pagamentos por TED, PIX ou boleto, muitas vezes feitos com base apenas na confiança, a Conta Notarial representa um salto qualitativo na segurança das transações”, explica Gianellini. Segundo ele, trata-se de um mecanismo de garantia formal, público e documentado, que protege ambas as partes e evita o descumprimento contratual, além de fraudes ou arrependimentos unilaterais.
O presidente do CNB/BA enfatiza o papel do tabelião como agente imparcial. “O valor só sai da conta após a verificação objetiva do cumprimento contratual. Isso reduz drasticamente a margem de litígio e aumenta a previsibilidade nas relações negociais”, afirma.
Aplicações práticas: de imóveis a freelancers
Embora a Conta Notarial tenha forte potencial para operações empresariais de maior porte — como compra e venda de imóveis, cessão de direitos, partilhas ou contratos com cláusulas de êxito —, seu uso não se restringe ao mercado corporativo. “O serviço pode e deve ser utilizado também por pessoas físicas”, pontua Gianellini. Ele cita como exemplos negociações entre vizinhos, freelancers, pequenos prestadores de serviço ou vendas informais de automóveis. “O importante é que haja um contrato com cláusulas claras e que o tabelião tenha meios objetivos para verificar se foram cumpridas”.
De acordo com o presidente, a ferramenta amplia o acesso à segurança jurídica mesmo em ambientes tradicionalmente marcados pela informalidade. “A Conta Notarial convida os cidadãos a resolverem seus negócios com mais clareza e segurança, sem precisar recorrer ao Judiciário. Isso é especialmente importante para segmentos econômicos que ainda não operam plenamente na formalidade”, afirma.
Prevenção de litígios e impacto no sistema de justiça
Um dos aspectos mais relevantes do novo serviço é sua capacidade de desestimular ações judiciais antes mesmo de elas se materializarem. Ao vincular a liberação do pagamento ao cumprimento contratual, com registro documental e intermediação do tabelião, a Conta Notarial evita que contratos sejam descumpridos — e, portanto, que acabem no Judiciário. “O serviço contribui diretamente para a política nacional de desjudicialização”, afirma Gianellini. “Além disso, a ata notarial lavrada pode servir como prova robusta em eventual processo, fortalecendo a posição de quem agiu de boa-fé”.
A expectativa é que o uso da ferramenta contribua para a diminuição de ações de cobrança, indenização ou execução contratual. “Trata-se de uma mudança de paradigma: em vez de remediar o conflito no Judiciário, o cidadão passa a preveni-lo desde a origem”, sintetiza.
Expansão gradual e meta de interiorização
Na Bahia, mais de uma dezena de cartórios já estão habilitados para oferecer o serviço, numa primeira fase coordenada entre o CNB/BA e o Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal. Segundo Gianellini, a expectativa é expandir o número de serventias nos próximos meses, por meio de programas de capacitação e articulação institucional. “A meta é garantir que cartórios em todas as regiões do estado possam oferecer a Conta Notarial”, diz.
Embora ainda não haja metas numéricas públicas por estado, o Colégio Notarial projeta que milhares de contratos sejam formalizados anualmente com a nova ferramenta, à medida que seu uso se torne conhecido por advogados, empresários e cidadãos. “O crescimento do e-Notariado e da digitalização notarial cria um ecossistema favorável à adesão do serviço em todo o país”, avalia o presidente.
Um passo a mais na modernização dos cartórios
A Conta Notarial é integrada à plataforma e-Notariado, que já oferece atos como escrituras, procurações, autenticações e testamentos digitais. Para utilizar o novo serviço, o interessado deve entrar em contato com um cartório habilitado e informar que deseja utilizar a Conta Notarial em sua negociação. O valor será depositado por meio do sistema do banco conveniado e permanecerá custodiado até que o tabelião verifique o cumprimento do contrato. A autorização pode ser assinada digitalmente pela plataforma ou presencialmente na serventia.
Com isso, os Cartórios de Notas avançam mais uma etapa no processo de modernização do serviço notarial no Brasil, agora oferecendo uma alternativa concreta à judicialização de conflitos e ao risco nas relações negociais privadas. Como resume Gianellini, “a Conta Notarial representa o que há de mais atual em termos de segurança contratual acessível: é a fé pública em favor da confiança nas relações”.
Por Luana Lopes Gomes
Assessoria de Comunicação do CNB/BA