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Instrumento que garante autonomia e dignidade ao paciente, o Testamento Vital desponta como alternativa para decisões médicas conscientes, promovendo alinhamento entre direitos individuais e cuidados humanizados.

 

A reflexão sobre o fim da vida, embora carregada de tabus, tem ganhado espaço na sociedade brasileira com o aumento do uso das Diretivas Antecipadas de Vontade (DAVs), conhecidas popularmente como Testamento Vital. Este instrumento legal permite que indivíduos expressem, com clareza e antecipação, suas preferências sobre tratamentos médicos em situações em que não possam mais manifestar sua vontade. Com respaldo jurídico e ético, as DAVs representam um avanço na promoção da autonomia e na preservação da dignidade, configurando-se como elemento essencial nos cuidados paliativos e na prevenção de conflitos familiares.

Apesar do reconhecimento pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pelo Código Civil, o Brasil ainda carece de uma legislação federal específica sobre o tema. Mesmo assim, o uso do Testamento Vital tem crescido, indicando uma mudança significativa na relação entre sociedade, medicina e escolhas no fim da vida.

As DAVs são um instrumento jurídico por meio do qual o indivíduo declara, em plena consciência, suas vontades para futuras intervenções médicas. O documento pode incluir decisões sobre recusa de tratamentos que prolonguem artificialmente a vida e a nomeação de um representante legal. Para Giovani Gianellini, presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção Bahia (CNB/BA), o Testamento Vital é “uma ferramenta de proteção que garante ao cidadão o exercício pleno de sua autonomia, preservando sua dignidade e evitando dúvidas ou conflitos em momentos críticos”.

Carolina Catizane, tabeliã do 8º Ofício de Notas de Salvador, destaca a clareza jurídica do documento, especialmente quando registrado em cartório. “As DAVs proporcionam segurança ao declarante e à família, possibilitando que as decisões sobre cuidados médicos reflitam a vontade expressa previamente”. Segundo Carolina, o aumento no número de registros na Bahia reflete uma conscientização gradual da sociedade, embora os desafios culturais e o tabu em torno da morte ainda persistam.

 

A interface entre medicina e direito

As DAVs estão intrinsecamente ligadas ao contexto dos cuidados paliativos, nos quais o respeito à biografia do paciente é central. João Gabriel Rosa Ramos, médico intensivista e especialista em cuidados paliativos, explica que “o Testamento Vital permite antecipar cenários e alinhar os objetivos de tratamento com os valores pessoais do paciente, evitando intervenções desnecessárias e promovendo maior qualidade de vida no fim da existência”.

Nos cuidados paliativos, a abordagem interdisciplinar é essencial. Médicos, advogados e tabeliães desempenham papéis complementares na elaboração e aplicação das DAVs. Camila Vasconcelos, advogada e bioeticista, observa que a formalização do documento deve ser precedida por um diálogo profundo entre médico e paciente. “A comunicação aberta é crucial para evitar conflitos e garantir que as DAVs sejam realistas e aplicáveis, respeitando a autonomia do paciente sem desconsiderar a complexidade do contexto clínico”, ressalta.

 

Barreiras legais e desafios culturais

Embora as DAVs sejam reconhecidas pelas resoluções do CFM, a ausência de uma legislação específica no Brasil ainda gera questionamentos quanto à sua regulamentação e aplicação em determinadas situações. Camila Vasconcelos explica que “os desafios não estão apenas na regulamentação, mas também na superação do tabu que envolve a discussão sobre morte e autonomia”.

Na prática, a falta de familiaridade com o tema pode gerar resistências, tanto entre os profissionais de saúde quanto entre familiares. Para Rosa Ramos, o diálogo prévio com os envolvidos, associado a uma comunicação clara e empática, minimiza conflitos e promove um entendimento mais amplo sobre o conteúdo das DAVs.

 

Tecnologia e acessibilidade

Desde 2020, as DAVs podem ser registradas digitalmente por meio da plataforma e-Notariado, tornando o processo mais acessível. Com um certificado digital, o declarante pode formalizar sua vontade de qualquer lugar, mantendo a segurança jurídica do documento. Para Carolina Catizane, “a inovação tecnológica amplia o alcance das DAVs e facilita o acesso ao Testamento Vital, garantindo que mais pessoas possam registrar suas vontades de forma prática e segura”.

Camila Vasconcelos reforça que, a digitalização é um avanço que requer que o processo preserve a profundidade da reflexão e o acompanhamento de profissionais qualificados. “A tecnologia deve ser uma aliada, mas nunca substituir o cuidado na elaboração de um documento que envolve questões tão sensíveis”, pondera.

 

Impacto social e transformações

O aumento na adesão às DAVs aponta para uma mudança significativa na forma como a sociedade brasileira encara o fim da vida. A prática reflete não apenas um amadurecimento cultural, mas também um avanço na valorização da autonomia individual. “As DAVs são um sinal de que estamos caminhando para uma relação mais humana e ética com os cuidados no fim da vida”, avalia Giovani Gianellini.

Além de preservar a autonomia, as DAVs trazem benefícios comprovados, como a redução do sofrimento familiar e a promoção de um cuidado mais alinhado com os valores do paciente. Rosa Ramos destaca que “planejar decisões médicas antecipadamente melhora a qualidade de vida, tanto para o paciente quanto para os familiares, além de evitar tratamentos que apenas prolongam o sofrimento”.

 

Uma reflexão necessária

A discussão sobre o Testamento Vital é, antes de tudo, um convite à reflexão sobre a terminalidade da vida e o direito de decidir sobre o próprio corpo. Para Camila Vasconcelos, “o planejamento antecipado é um exercício de dignidade e coragem, permitindo que a vida seja conduzida até o fim com respeito aos valores e desejos individuais”.

O Colégio Notarial do Brasil – Seção Bahia reafirma seu compromisso em promover o acesso à informação e ao registro das DAVs. O Testamento Vital não é apenas um documento; é um manifesto de autonomia e cuidado com o futuro, essencial para uma sociedade que deseja tratar a vida – e sua finitude – com respeito e humanidade.

Luana Lopes Gomes – Assessora de Imprensa do CNB/BA

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