skip to Main Content
Área do Associado

Em entrevista exclusiva ao CNB/BA, a desembargadora do TJBA, Nágila Brito, fala sobre violência contra mulher e desigualdade de gênero em diferentes esferas da sociedade

À frente da Coordenadoria da Mulher do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), a desembargadora Nágila Brito concedeu entrevista exclusiva ao Colégio Notarial do Brasil – Seção Bahia (CNB/BA) sobre a violência contra a mulher, desigualdade de gênero e os trabalhos mais importantes realizados para Coordenadoria da Mulher no âmbito do judiciário baiano.

Nágila Brito iniciou a carreia como promotora de justiça, aos 22 anos, logo depois foi promovida à procuradora de Justiça. Ingressou na magistratura como desembargadora em 2010, e no ano seguinte assumiu o cargo de presidente da Coordenadoria da Mulher do TJBA. Ainda atua como supervisora do Grupo de Trabalho da Participação Institucional Femina, e preside a Comissão de Enfrentamento ao Assédio Sexual, Moral e Discriminação do TJBA.

Confira a entrevista na íntegra:

CNB/BA – Recentemente, a senhora ministrou um curso para magistrados, juntamente com outros juízes, sobre violência contra a mulher. Quais impactos podem ser registrados a partir de cursos como este no Poder Judiciário?

Nágila Brito – A visão com perspectiva de gênero é urgente e necessária no acolhimento das mulheres, na consecução das provas, na análise jurídica dos processos com incidência da Lei Maria da Penha, pois a partir dela conseguiremos aplicar a solução mais acertada para o caso em concreto. A partir de um julgamento com lentes de gênero será possível anular, ou pelo menos amenizar, a desigualdade e as discriminações sociais suportadas pelas mulheres, além de evitar que estas sejam submetidas a nova violência (institucional) e/ou revitimização. Assim, os impactos de um curso de capacitação para juízes, especialmente com foco em perspectiva de gênero, são muitos, tais como fazer com que o juiz tenha simpatia por essas causas, levá-los a julgar com empatia, a aprender a colocar-se no lugar do outro, afastar-se de crenças e mitos configuradores de estereótipos que os afastam de um julgamento justo.

CNB/BA – Em sua opinião, a área extrajudicial também seria um campo vasto para tratar de assuntos contra a violência doméstica, considerando, também, o alto número de divórcios na pandemia?

Nágila Brito – Convém registrar que as lentes de perspectiva de gênero devem ser utilizadas em todos os setores da sociedade, não apenas no Poder Judiciário, mas em todos os âmbitos de poder, mormente na área extrajudicial, pois os serviços destinados às mulheres vítimas ou não de algum tipo de violência fazem parte de uma Rede de Atendimento e Proteção. Com mais razão, então, os notários que com o seu atendimento ao público, no exercício do seu labor, deve aplicar o princípio da igualdade, na sua forma material, e observar e esclarecer acerca dos direitos de cada um, em linguagem clara, para que não haja qualquer prejuízo e/ou violência institucional contra a mulher. Pode, também, observar atitudes que configurem violência doméstica e familiar e indicar, bem como manter nas dependências do cartório números de telefones e e-mails de denúncias, orientar e direcionar as vítimas, participar das campanhas e capacitações levadas a efeito pela Coordenadoria da Mulher do TJBA.

CNB/BA – Quais trabalhos a Coordenadoria da Mulher realiza no PJBA?

Nágila Brito – A Coordenadoria Estadual das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar foi instituída por meio do Decreto Judiciário nº 547, de 19/08/2011, em cumprimento à Resolução nº 128, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que estabelece a criação das coordenadorias nos Tribunais de Justiça estaduais, responsáveis pela elaboração de sugestões para o aprimoramento da estrutura do judiciário na área do combate e prevenção à violência doméstica e familiar contra as mulheres, a fim de garantir os direitos humanos das mulheres nas situações previstas na Lei Maria da Penha. A Coordenadoria tem, também, a incumbência de promover a articulação interna e externa do Poder Judiciário com outros órgãos governamentais e não governamentais, e a imprensa, além de atuar sob as diretrizes do CNJ em sua coordenação de políticas públicas a respeito do tema. Na prática, porém, a atuação extrapola tal mister, vivenciando diretamente com alguns órgãos governamentais e não governamentais os problemas e soluções que se nos apresentam, fazendo capacitações não só no Judiciário, como em outros órgãos e em comunidades, escolas, sempre com ênfase para julgamentos, obtenção de provas e vivências do cotidiano com perspectiva de gênero. Destaca-se, ainda, a coordenação do programa do CNJ, nos meses de março, agosto e novembro da Semana da Justiça pela paz em casa, participação ativa nas campanhas do judiciário, como a da AMB/CNJ e do Sinal Vermelho. No Tribunal, acompanhamos a tendência jurisprudencial, tentando fazer com que os colegas enxerguem com lentes de gênero os processos que julgamos, nas discussões, cursos e palestras que sempre promovemos, encaminhando kits com decisões e cartinha de sensibilização para os colegas nos plantões de carnaval e participação nas reuniões e tomadas de decisão nesses períodos de festas, além de participar de grupos de WhatsApp para acionamento rápido nas emergências (o ano inteiro).

CNB/BA – Como vê a desigualdade de gênero e quais as atividades que a Coordenadoria realiza para combater essa desigualdade?

Nágila Brito – A origem deste tipo de violência e desigualdade explica-se por meio da história da humanidade, pois no decorrer dos tempos, desde os primórdios, que se buscou e ainda se busca provar uma suposta inferioridade da mulher, embasando-se em filósofos antigos, na religião e na biologia, principalmente. Simone de Beauvoir, em sua obra mais conhecida, “o segundo sexo”, verbera que somente a partir do sec. XVIII, com Diderot e outros, e um pouco mais tarde com John Stuart Mill, que publicou em 1849 “A sujeição das mulheres”, é que tivemos homens que defendiam a igualdade de homem e mulher. Stuart Mill afirma que esta submissão das mulheres não adveio de discussões e resoluções para a melhor a ordem pública, mas simplesmente foi-se estabelecendo como costume na sociedade e daí passou para as leis, que feitas pelos homens fez perdurar no tempo as injustificáveis desigualdades. Foi, portanto, a construção social do gênero feminino feita ao longo do tempo, que foram vinculando valores, obrigações, lugares de fala, comportamentos e funções com conotação nitidamente patriarcal, ou seja, sempre com superioridade do masculino sobre o feminino. Importante conhecer-se o conceito de gênero para entender as desigualdades fundadas em questões meramente culturais. Não tem a ver com o sexo biológico do indivíduo, mas com
construções culturais que impuseram às mulheres, serem, por exemplo, as “cuidadoras do mundo”, como afirma Boaventura de Souza Santos.
Nesse contexto de desigualdade e violência baseadas em gênero, a Coordenadoria tem desenvolvido, por meio de lives e postagens, um trabalho educativo e informativo, além de parcerias com outros Órgãos para o desenvolvimento de trabalhos sociais.

CNB/BA – Durante a pandemia, o número de casos de violência doméstica aumentou, a Coordenadoria efetivou algum projeto para combater esses casos?

Nágila Brito – Sim, destaco os que considero de maior importância:

1. Foi decidida após inúmeras reuniões com os juízes das Especializadas, a prorrogação automática de Medida Protetiva de Urgência desde o início da pandemia e antes mesmo da Lei 14.022/2020;

2. Disponibilizada pelo TJ a Ferramenta de Medida Protetiva de Urgência Eletrônica constante no portal da Coordenadoria, meio pelo qual as mulheres vítimas de violência e partes nos processos dessa natureza podem solicitar a dilação da sua medida protetiva de urgência, sem precisar sair de casa, ou mesmo sem necessitar de procurador constituído;

3. Disponibilizada, também, a ferramenta de solicitação de prorrogação de Medida Protetiva de Urgência via o SAC Mulher, em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres – SPM, meio pelo qual as mulheres vítimas de violência e partes nos processos dessa natureza podem solicitar a dilação da sua medida protetiva de urgência, sem precisar sair de casa, ou mesmo de procurador constituído;

4. Inseriu-se no Portal da Coordenadoria a “Carta para as mulheres”, ferramenta pela qual a mulher vítima de algum tipo de violência pode relatar sua situação de fato, sem precisar sair de casa, e a partir desse relato a Coordenadoria da Mulher irá orientá-la sobre quais formas de ajuda da Rede Estadual de Enfrentamento da Violência contra a Mulher esta mulher deverá procurar;

5. “Conversando com a Coordenadoria”, ferramenta pela qual a mulher ou qualquer cidadão poderá ter um contato direto com a Coordenadoria da Mulher, sem sair de casa, para esclarecer dúvidas acerca da Lei Maria da Penha e/ou qualquer situação relacionada à violência contra a mulher;

6. Fornecimento de atendimento via telefone celular exclusivo para as mulheres vítimas de violência, tanto na Coordenadoria como nas Varas Especializadas, não só para ligações de buscas ativas das mulheres com medidas protetivas, como para recebimento durante todo o período de teletrabalho na pandemia, por serem direcionados os números fixos das Varas para o número de um servidor;

7. Campanha do CNJ Sinal Vermelho para violência contra a Mulher, uma ferramenta alternativa de denúncia de violência contra a mulher. Basta que a mulher vá à uma farmácia e mostre o X vermelho da mão. É uma forma de auxiliar as mulheres que em razão da pandemia da Covid-19, ou qualquer outra, encontram-se presas dentro das suas casas, muitas vezes com seus agressores, estando, portanto, impossibilitadas de denunciar, presencialmente, a ocorrência de algum tipo de violência;

8. Diversas lives de conscientização e informação sobre a violência contra a mulher;

9. Publicações nas redes sociais informando os contatos de denúncia e números de acesso às Varas Especializadas;

10. Participante compromissado no Protocolo do Feminicídio do Estado da Bahia, assinado em 10/12/2021. O protocolo do feminicídio trata-se de um documento elaborado em conjunto com os órgãos membros da Rede Estadual de Enfrentamento da Violência Doméstica contra a Mulher, no qual constam as atribuições de cada instituição participante, no tocante aos casos de feminicídio, buscando, com isso, a efetivação do dever de punir do Estado, além de prestar um tratamento em que sejam respeitados os direitos humanos das vítimas diretas e indiretas desse crime, em especial as sobreviventes;

11. Diversas reuniões com a Rede para alinhamento de procedimentos com a Ronda Maria da Penha e os demais órgãos integrantes, dentre outros.

Fonte: Assessoria de Comunicação do CNB/BA

Back To Top