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E-notariado-uma revolução na forma de prestação do serviço notarial

É fato que milhares de brasileiros vêm deixando o Brasil buscando uma melhor qualidade de vida no exterior, onde fixam residência e constituem família.

Até então, referidos brasileiros tinham como única opção para os serviços notariais o atendimento nos consulados gerais, mediante agendamento e, muitas vezes, deslocamento para cidades onde estes estão sediados. Com a pandemia do Covid-19, tal situação se agravou, frustrando a expectativa daqueles que necessitam do serviço notarial.

Por outro lado, estrangeiros que decidissem investir em imóveis ou fazer negócios no Brasil dependiam da nomeação de procuradores, através de notário de seu país, com tradução juramentada e registro no RTD, a fim de que o ato notarial produzisse efeitos no Brasil. 

Tal realidade somente contribuía para o desgaste da imagem não só do serviço notarial, como também do próprio País. Isto porque, a eficiência e facilidade para a prática do ato notarial e registral é um dos requisitos levados em conta na avaliação do Banco Mundial, no relatório Doing Business, o qual estabelece o ranking dos países em termos de realização de negócios.

Infelizmente o Brasil está entre os últimos colocados, figurando na 124ª posição entre os 190 países avaliados pelo ranking1 do Banco Mundial.

No entanto, o tão esperado Prov. 100/20 deste E. CNJ trouxe nova realidade aos serviços notariais, inaugurando a era digitais para a lavratura de atos notariais, através da festejada plataforma e-Notariado. Pode-se dizer que o Prov. 100/20 fez com que a atividade notarial evoluísse 100 anos!

Referida plataforma revoluciona a forma como os atos notariais são praticados no País, colocando o Brasil na vanguarda do direito notarial, à frente de diversos países de primeiro mundo, nos quais também se adota o modelo do notariado latino, presente em mais de 120 países, incluindo 22 dos 27 países da União Europeia2.

Trata-se de revolução na forma de se prestar o serviço notarial no País e fora dele, quebrando barreiras e facilitando o acesso dos cidadãos à rede de tabelionatos do Brasil, o qual deve ser disponibilizado a todos os brasileiros.

Brasileiros domiciliados no exterior e estrangeiros. Omissão. Insegurança jurídica. Necessidade de aprimoramento do provimento 100/20 CNJ

Ocorre que, além dos brasileiros domiciliados no País, muitos brasileiros não residentes, impossibilitados de serem atendidos nos consulados gerais, em especial em razão da redução ou suspensão de atendimento causados pela Pandemia Covid-19, tomando conhecimento da Plataforma e-Notariado, têm procurado os tabelionatos de notas visando praticar atos notariais à distância, seja de compra e venda, inventário, procuração, etc.

Neste contexto, depreende-se que o “e-Notariado” abre novos horizontes para esses cidadãos, a saber, a fruição direta e imediata do serviço notarial brasileiro, como se estivessem no Brasil (!) e mais, podendo praticar pessoalmente atos que, até então, somente poderiam praticar mediante intermediários, notadamente por meio de instrumentos de procuração (com maiores custos).

Vale lembrar, ainda, que os consulados brasileiros não praticam diversos atos notariais, como compra e venda, inventário e divórcio com bens a partilhar, razão pela qual a única opção, nesses casos, era outorgar, via consulado, poderes para que um terceiro representasse o outorgante no Brasil.

Além disso, o “e-Notariado” também franqueia ao estrangeiro que pretende realizar investimentos e negócios no Brasil, mormente com o dólar a quase R$ 6,00 (!) e mercado imobiliário em baixa, a possibilidade de adquirir diretamente bens imóveis no país, sem a necessidade de nomeação de um procurador no Brasil, contribuindo para o desenvolvimento da economia e do setor imobiliário.

Não obstante, diversos tabelionatos vêm negando a prestação do serviço notarial eletrônico a estrangeiros e brasileiros com domicílio eleitoral comprovado em outro país, exigindo a comprovação de domicílio eleitoral ou fiscal no Brasil, o que tem gerado insegurança jurídica e frustração desses pretensos usuários.

O Provimento n° 100/20 do CNJ prevê, como regra geral aos brasileiros residentes, uma restrição  territorial3 à prática do ato notarial eletrônico envolvendo direitos reais, limitando a competência dos tabelionatos à comprovação do domicílio eleitoral ou fiscal do usuário do serviço ou à localização do imóvel, quando for o caso.

No mesmo sentido, nas procurações públicas é competente o cartório do domicílio eleitoral do Outorgante ou do local do imóvel, quando houver4.

Com efeito, não há motivo lógico ou legal que impeça o brasileiro com domicílio eleitoral comprovadamente fora do país a utilizar os mesmos serviços notariais oferecidos ao brasileiro residente no Brasil, porém, neste caso, sem a limitação territorial de competência do tabelionato.

Isso porque, o sentido teleológico que justificou a fixação do critério da territorialidade tanto na Lei dos Notários (art. 9º)5 como no provimento em exame, foi o de se evitar a concorrência predatória entre os notários, assim como o de tutelar a regra do concurso público, evitando a ampliação ilegal de competência, sem concurso público, em afronta ao art. 236 da CF.

Com efeito, a territorialidade impede que um notário saia de sua cidade, para a qual recebeu a delegação por concurso, e busque lavrar um ato em local diverso do qual lhe foi delegado o serviço, sob pena de se violar os limites do ato administrativo de delegação, assim como de fomentar a concorrência predatória entre os tabelionatos.

Frise-se, que a extensão territorial do Brasil impõe que cada Estado da Federação possua uma tabela própria de emolumentos, o que gera significativa diferenças de custo, razão pela qual o óbice da territorialidade é fundamental para se garantir o equilíbrio econômico-financeiro dos serviços notariais e a própria capilaridade dos tabelionatos, presentes nas mais remotas cidades do país.

Sensível ao tema e tendo em vista as peculiaridades do ambiente digital, o E. Conselho Nacional de Justiça, ao editar o Prov. 100/20, fez constar entre seus “considerandos” que justificam o referido ato normativo, expressamente, que:

“(…) a necessidade de evitar a concorrência predatória por serviços prestados remotamente que podem ofender a fé pública notarial”.

No caso, a ausência de um critério territorial (no caso optou-se pelo domicílio) nos serviços prestados em ambiente digital para brasileiros domiciliados no País, resultaria no fomento desta concorrência predatória indesejada, já que franquearia uma liberdade absoluta de escolha pelo usuário e no consequente favorecimento de tabelionatos localizados em regiões com um custo mais reduzido de vida e com emolumentos espelhando essa realidade.

No entanto, em se tratando de brasileiro com domicílio comprovado no exterior, não há como nem por que prevalecer tal limitação territorial.

O cidadão que tem domicílio comprovadamente fora do país encontra-se em situação totalmente diferenciada, ou seja, não possui vínculo de domicílio com qualquer município ou território, a não ser o vínculo de cidadania com o Brasil, razão pela qual se revela razoável que tenha ampla liberdade de escolha do notário de sua preferência, independentemente do local em que sediado o serviço notarial ou localizado o imóvel adquirido.

Trata-se de uma nova realidade na prestação do serviço notarial, que impõe novos paradigmas, tal qual a inovadora ampliação de territorialidade prevista pelo §2º do art. 19 do Prov.100/20, segundo o qual estando o imóvel e o domicílio do adquirente localizados no mesmo estado da federação, legitima-se ao adquirente plena liberdade de escolha de qualquer tabelionato naquele estado, permitindo que um cartório em uma cidade do interior do estado realize um ato notarial envolvendo imóvel e comprador situados em outra cidade daquele mesmo estado.

Tal qual a liberdade de escolha contida no citado §2º do art. 19, também ao brasileiro comprovadamente domiciliado no exterior deve ser garantido o mesmo direito.

Com efeito, o cidadão domiciliado, v.g., em Miami, que deseje outorgar uma procuração para um parente lhe representar no Brasil deve ter liberdade plena de escolha do serviço notarial de sua preferência, certo de que tal liberdade, dado o domicílio do expatriado, não tem o condão de resultar em concorrência predatória por parte dos tabelionatos e nem o condão de colocar em risco o equilíbrio econômico-financeiro das serventias.

Por outro lado, em sendo o domicílio do usuário do serviço o critério de territorialidade adotado pelo Prov. 100/20, tem-se que para os não domiciliados no País não há outra opção senão admitir-se a livre escolha do serviço, sob pena de serem privados do referido serviço tão somente por residirem fora do Brasil.

Isso porque, exemplificativamente, o expatriado domiciliado em Boston/EUA, que deseje outorgar procuração para um parente no Brasil, vem encontrando dificuldades em encontrar um serviço notarial que aceite lavrar o ato, ao argumento de que a competência do tabelionato estaria restrita ao domicílio do outorgante, a teor do parágrafo único do art. 20 do citado provimento.

Tal recusa na prestação do serviço é contrária ao próprio sentido que inspirou a edição do Provimento 100/20, expresso em seus considerandos, qual seja,

“a necessidade de se manter a prestação dos serviços extrajudiciais, o fato de que os serviços notariais são essenciais ao exercício da cidadania e que devem ser prestados, de modo eficiente, adequado e contínuo;”

Com efeito, vê-se que não há fundamento legal ou lógico em se negar a prestação do serviço ao cidadão nacional em razão de possuir domicílio fora do país.

Neste caso, portanto, revela-se como fundamento para justificar a prestação do serviço ao cidadão expatriado e ao estrangeiro a aplicação, na íntegra e sem qualquer restrição, da livre escolha prevista pelo disposto no art. 8º da Lei 8.935/94, verbis:

Art. 8º É livre a escolha do tabelião de notas, qualquer que seja o domicílio das partes ou o lugar de situação dos bens objeto do ato ou negócio.

Mencionado art. 8º da lei 8.935/94 é a regra geral prevista para os atos presenciais e que deve ser aplicada de forma ampla e absoluta para os casos de escritura não presencial (via e-Notariado) envolvendo brasileiro comprovadamente domiciliado no exterior ou mesmo para estrangeiros não domiciliados no Brasil.

Nem se diga que tal critério encontra óbice no art. 9º da lei 8.935/94, na medida em que referido dispositivo tem por objeto impedir a prática de atos notariais fora do Município para o qual o tabelião recebeu sua delegação, o que não ocorre na hipótese em exame, envolvendo ato notarial eletrônico praticado por usuário domiciliado comprovadamente fora do próprio país.

Além disso, vale ressaltar que a comprovação de domicílio fora do País não se confunde com a hipótese disciplinada pelo parágrafo único do art. 21, que trata da falta de comprovação do domicílio da pessoa física”, caso em que será observado apenas o “local do imóvel.” O expatriado possui domicílio comprovado fora do País e não pode ser tratado diferentemente do brasileiro residente no Brasil.

Princípio da isonomia entre brasileiros residentes e expatriados

De fato, negar a prática de ato notarial eletrônico ao brasileiro não domiciliado no país é dar a ele um tratamento desigual ao do brasileiro domiciliado no Brasil, sem qualquer justificativa legal, em flagrante violação ao princípio constitucional da isonomia (art. 5º caput da CF/88), segundo o qual “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país (…)”, certo de que a expressão “residentes no País” se refere, evidentemente, aos estrangeiros e não aos cidadãos brasileiros. Estes devem ser tratados de forma isonômica, independentemente de residirem ou não no país.

Pelo exposto, tem-se que a aplicação literal do referido provimento, exigindo a comprovação de domicílio na cidade em que sediado o serviço notarial, seja para atos de procuração ou transmissão de direitos reais, tem levado diversos tabelionatos a negar, sem justificativa legal, a prática do ato notarial eletrônico a brasileiros expatriados, criando uma distinção ilegal entre brasileiros residentes e não residentes, o que, à toda evidência, em nenhum momento se pretendeu quando da edição do Prov. 100/20 CNJ e, por certo, não se coaduna com o novo paradigma buscado pelo CNJ ao autorizar e implementar esse novo modelo de ato notarial.

Portanto, apesar das regras de hermenêutica e integração do direito serem suficientes para suprir dita lacuna, legitimando o ato notarial nos casos em análise, em homenagem à segurança jurídica que norteia a atividade notarial, a qual deve ser prestada de forma contínua e uniforme a todos os brasileiros, espera-se que tal omissão seja sanada pelo CNJ-Conselho Nacional de Justiça, editando norma expressa no sentido de garantir a todos os brasileiros, residentes ou não, os mesmos direitos, em especial aquele de usufruir do serviço público notarial através da plataforma e-Notariado, sem quaisquer restrições.

*Gustavo Bandeira é tabelião titular do 8º Ofício de Notas; presidente do Fórum Permanente de Direito Notarial e Registral da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (“EMERJ”); atuou como juiz titular das Varas Empresarial e Fazenda Pública na Comarca da Capital do Rio de Janeiro; mestre em Direito; professor convidado de Direito Civil da EMERJ.

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1 Disponível aqui. Acesso em 28.11.2020.

2 Disponível aqui. Acesso em 28.11.2020.

3 Art. 19. Ao tabelião de notas da circunscrição do imóvel ou do domicílio do adquirente compete, de forma remota e com exclusividade, lavrar as escrituras eletronicamente, por meio do e-Notariado, com a realização de videoconferência e assinaturas digitais das partes.

4 Art. 20. (-) Parágrafo único. A lavratura de procuração pública eletrônica caberá ao tabelião do domicílio do outorgante ou do local do imóvel, se for o caso.

5 Art. 9º O tabelião de notas não poderá praticar atos de seu ofício fora do Município para o qual recebeu delegação.

Fonte: Migalhas

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