skip to Main Content
Área do Associado

Em mais uma matéria da série, dentro do In Loco, com a amiga, expert na área de Direito Imobiliário e Urbanístico, Debora de Castro da Rocha, e seus convidados, nos apresenta suas reflexões e ensinamentos… então vamos lá!

DIREITO REAL DE HABITAÇÃO SOBRE IMÓVEL DE PROPRIEDADE DE TERCEIROS ESTRANHOS À SUCESSÃO.

Debora Cristina de Castro da Rocha[1]

Camila Bertapelli Pinheiro[2]

Resumo

A presente análise se sustenta na previsão constante no artigo 1.831 do Código Civil, que trata especificamente sobre o direito real de habitação do cônjuge sobrevivente, quando se propicia ao cônjuge supérstite o direito de permanecer residindo no imóvel que servia de moradia do casal independentemente do regime de bens. E na mesma perspectiva, o parágrafo único do artigo 7º, da Lei 9.278/96, que estende aos conviventes o mesmo direito. Contudo, em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, firmou-se o entendimento de que havendo coproprietários do imóvel, cuja aquisição imobiliária tenha ocorrido anteriormente ao óbito do de cujus, descaracterizado estaria o direito real de habitação do cônjuge sobrevivente, uma vez que nesse caso se estaria diante de imóvel de propriedade de terceiros.

Assim, a priori, necessário se faz considerar que o direito real de habitação consiste no direito que possui o cônjuge supérstite independente do regime de bens do casamento de permanecer residindo no imóvel após o falecimento do de cujus, desde que seja o único bem residencial a ser inventariado, não havendo limitações temporais ao exercício do direito assegurado, conforme disposto no artigo 1.831 do Código Civil

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

Dessa forma, consoante previsão legal, o direito real de habitação somente se extinguirá com a morte do cônjuge beneficiário. Todavia, como não se trata de um direito indisponível, poderá extinguir-se mediante a renúncia do seu titular. Nesse aspecto, pode ser considerada a concretização do direito constitucional à moradia, atendendo questões de ordem social e humanitária, em razão da existência de vínculo afetivo estabelecido pelo casal com o imóvel no qual estabeleceram seu lar.[3]

A despeito das garantias estampadas no referido artigo de lei, tem-se que, analisando-o objetivamente, pode-se perceber que não há qualquer previsão estabelecendo os limites desse direito real de habitação, tampouco, se diante da excepcionalidade de algumas situações, haveria a possibilidade de “flexibilizar” esse direito.

Considerando o texto da lei que logo remete o mais desavisado à sua mera literalidade, não restam dúvidas de que, diariamente, inúmeros são os questionamentos e confusões sobre a sua aplicação, mormente quando se leva em consideração única e tão somente o direito real de habitação, mesmo sabendo-se que atender apenas o direito real de habitação pode conflitar com outros direitos igualmente resguardados e relevantes para a ordem jurídica, que não raro, geram desproporcionalidade e desequilíbrio entre o cônjuge/convivente supérstite e os demais herdeiros sucessórios.

Para além da inteligência do texto normativo, que culminava com o entendimento equivocado sobre a aplicação do direito real de habitação, a própria jurisprudência trazia posicionamentos contraditórios, contribuindo ainda mais para a instauração da dúvida quanto à aplicação do instituto, especialmente diante da existência de coproprietário estranho à sucessão.

Dentro desse panorama, cediço que quando analisado o instituto do direito real de habitação sem o necessário cotejo com outros institutos importantes, sua generalização acaba se firmando como regra, criando-se a partir daí uma falsa ideia de que basta o óbito de um dos cônjuges para a satisfação do direito do cônjuge supérstite de manter-se no imóvel sem que aos demais herdeiros seja possibilitado o exercício do seu direito decorrente da percepção do seu quinhão. Todavia, há que se destacar que tal regra não é absoluta no caso concreto.

Todas as variáveis na aplicação do instituto devem ser observadas, como por exemplo, a existência de herdeiros; se há copropriedade; se há condomínio instituído; a existência de relação de comodato, casos em que o pedido de reintegração de posse estaria amparado, pois a manutenção do imóvel em favor do cônjuge supérstite estaria desprestigiando aquele que seria o legítimo proprietário desse bem em discussão.

Diante disso, a jurisprudência vem assentando o entendimento de que não há direito real de habitação no caso de copropriedade de terceiro pactuada antes do óbito e não no início da partilha.

Assim se apresenta o entendimento da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, senão vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL. IMISSÃO DE POSSE. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DE CÔNJUGE SUPÉRSTITE. AFASTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE LIMITAR O DIREITO DE PROPRIEDADE DO COPROPRIETÁRIO E FILHO DA FALECIDA. SENTENÇA CONFIRMADA. Descabido o pleito de reconhecimento do direito real de habitação, pois implicaria em limitação ao direito de propriedade de José Mário T.C., pessoa legítima para reaver a posse de imóvel que lhe é próprio na condição de proprietário, nos termos do artigo 1228 do CC, e de sucessor, eis que filho da falecida. Apelação desprovida, por maioria. (Apelação Cível Nº 70077465805, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Julgado em 04/04/2019).

(TJ-RS – AC: 70077465805 RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Data de Julgamento: 04/04/2019, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 12/04/2019)[4]

No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão, em sede de Embargos de Divergência, firmou o entendimento de que, havendo copropriedade de terceiro anterior à abertura da sucessão, há impedimento ao reconhecimento do direito real de habitação:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. COPROPRIEDADE DE TERCEIRO ANTERIOR À ABERTURA DA SUCESSÃO. TÍTULO AQUISITIVO ESTRANHO À RELAÇÃO HEREDITÁRIA.  1. O direito real de habitação possui como finalidade precípua garantir o direito à moradia ao cônjuge/companheiro supérstite, preservando o imóvel que era destinado à residência do casal, restringindo temporariamente os direitos de propriedade originados da transmissão da herança em prol da solidariedade familiar. 2. A copropriedade anterior à abertura da sucessão impede o reconhecimento do direito real de habitação, visto que de titularidade comum a terceiros estranhos à relação sucessória que ampararia o pretendido direito. 3. Embargos de divergência não providos.

(STJ – EREsp: 1520294 SP 2015/0054625-4, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 26/08/2020, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 02/09/2020)[5]

No acórdão da decisão, a relatora, ministra Isabel Galotti afirmou que o direito real de habitação possui a finalidade de garantir a moradia ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, preservando o imóvel que servia de residência para a família, independente do regime de bens adotado, conforme assenta o código civil.

Entretanto, o mais importante nessa decisão se apresenta na fundamentação do seu voto, proferido com base no entendimento do ministro Luís Felipe Salomão, em caso assemelhado, nos seguintes termos: “o direito real à habitação limita os direitos de propriedade, porém quem deve suportar tal limitação são os herdeiros do de cujus, e não quem já era proprietário do imóvel antes do óbito”.

Diante disso, a conclusão da ministra fora de que “no caso em debate, entendo que tal direito não subsiste em face do coproprietário embargado, cujo condomínio sobre a propriedade é preexistente à abertura da sucessão do falecido (2008), visto que objeto de compra e venda registrada em 1978, antes mesmo do início do relacionamento com a embargante (2002)”.

Oportuno salientar que toda narrativa se estrutura no sentido da instituição de um condomínio que se extingue com o falecimento do de cujus, devendo assim ser assegurado o direito de propriedade daquele que adquiriu o imóvel antes da união do casal.

Pois bem, em uma análise dos acórdãos supra, conclui-se que muito embora a lei não seja clara, deixando de trazer exceções, esse entendimento firmado recentemente tem o condão de minimizar a insegurança jurídica instaurada pelo artigo 1.831 do Código Civil, se revelando inequívoco ao dispor que o estranho à sucessão terá seu direito garantido de haver o imóvel para si.

Por fim, em decorrência lógica de tudo que tem sido observado na jurisprudência, não há como se conceber a manutenção do imóvel em favor do cônjuge supérstite quando houver copropriedade anterior, podendo-se ir até mais longe, especialmente, quando além de coproprietários, existem herdeiros, justamente porque, diante de um caso concreto, a depender do imóvel objeto da sucessão, não haverá como efetivar o direito dos primeiros, sem efetivar o direito dos segundos. 

[1] Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (2010), advogada fundadora do escritório DEBORA DE CASTRO DA ROCHA ADVOCACIA, especializado no atendimento às demandas do Direito Imobiliário e Urbanístico, com atuação nos âmbitos consultivo e contencioso; Doutoranda em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba; Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba; Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho e em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) e Pós-graduanda em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito (EPD); Professora da pós-graduação do curso de Direito Imobiliário, Registral e Notarial do UNICURITIBA, Professora da Escola Superior da Advocacia (ESA), Professora da Pós-graduação da Faculdade Bagozzi e de Direito e Processo do Trabalho e de Direito Constitucional em cursos preparatórios para concursos e para a OAB; Pesquisadora do CNPQ pelo UNICURITIBA; Pesquisadora do PRO POLIS do PPGD da UFPR; Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/subseção SJP triênio 2016/2018, Vice presidente da Comissão de Fiscalização, Ética e Prerrogativas da OAB/subseção SJP triênio 2016/2018; Membro da Comissão de Direito Imobiliário e da Construção da OAB/seção Paraná triênio 2013/2015 e 2016/2018; Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da Associação Brasileira de Advogados (ABA) Curitiba; Membro da Comissão de Direito à Cidade da OAB/seção Paraná; Membro da Comissão do Pacto Global da OAB/seção Paraná; Membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/seção Paraná; Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM; Segunda Secretária da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ); Palestrante, contando com grande experiência e com atuação expressiva nas áreas do Direito Imobiliário, Urbanístico, Civil, Família e do Trabalho, possuindo os livros Reserva Legal: Colisão e Ponderação entre o Direito Adquirido e o Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado e Licenciamento Ambiental Irregularidades e Seus Impactos Socioambientais e vários artigos publicados em periódicos, capítulos em livros e artigos em jornais de grande circulação, colunista dos sites YesMarilia e  do SINAP/PR na coluna semanal de Direito Imobiliário e Urbanístico do site e do programa apresentado no canal 5 da NET – CWB TV.

[2] Possui graduação em Direito pela Universidade Positivo (2019), advogada no escritório DEBORA DE CASTRO DA ROCHA ADVOCACIA, especializado no atendimento às demandas do Direito Imobiliário e Urbanístico, com atuação nos âmbitos consultivo e contencioso.  E-mail: [email protected].

[3] OLIVEIRA, Carolina Ramires de. Direito real de habitação do cônjuge supérstite: há possibilidade de limitá-lo? Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2020-mar-09/direito-real-habitacao-conjuge-superstite-possibilidade-limita-lo#_ftnref4 > Acesso em 29 nov. 2020.

[4]  Apelação Cível, Nº 70077465805, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Julgado em: 04-04-2019. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 29 de novembro de 2020.

[5] Embargos de Divergência, nº EREsp: 1520294 SP 2015/0054625-4, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 26/08/2020, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 02/09/2020. Disponível em: <stj.jus.br>. Acesso em 29 de novembro de 2020.

Fonte: Paraná Portal

AnoregBR AnoregAM AnoregBA AnoregMG Anoreg MT AnoregPR AnoregRS AnoregSPSinoregSP Aripar ColégioRegistralSC CNBBA CNBGO CNBMG CNBPR CNBRJ CNBRS

Clipping – Direito Net – Presunção de veracidade da escritura pública é relativa e não impede contestação sobre quitação do imóvel

As declarações prestadas pelas partes ao servidor cartorário, assim como o documento público elaborado por ele, possuem a chamada presunção relativa (juris tantum) de veracidade –  admitindo-se, portanto, prova em contrário. A orientação é válida para contratos de compra e venda de imóvel, especialmente nas situações em que, apesar da declaração de quitação, o pagamento não é feito na presença do notário.

O entendimento foi estabelecido pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao manter acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) que rejeitou embargos à execução opostos por uma empresa que alegava possuir escritura pública que comprovava a quitação integral da compra de uma fazenda.

Segundo a empresa, a escritura teria presunção absoluta de veracidade, nos termos dos artigos 215 e 216 do Código Civil.

Pagamento parcelado

De acordo com o processo, o vendedor não havia formalizado a transferência do imóvel para seu nome. Depois de 11 meses, ele vendeu a fazenda à empresa, em acordo que previa uma parte do pagamento à vista e outra parte em data futura.

Entretanto, a empresa compradora pediu ao vendedor que lhe outorgasse a escritura de transferência do imóvel, sob o argumento de que precisava oferecê-lo em garantia para obtenção de financiamento. O pedido foi atendido pelo vendedor, que autorizou a lavratura da escritura perante os antigos proprietários. A empresa, porém, registrou a transação em valor menor do que o real, como forma de diminuir o pagamento de impostos.

Após o recebimento da escritura, a empresa não teria cumprido com o pagamento do valor residual, motivo pelo qual o vendedor ajuizou execução de título extrajudicial. A empresa opôs, então, os embargos à execução, sob o argumento de que a escritura definitiva de transferência do imóvel equivaleria à quitação do contrato de compra e venda, constituindo-se como prova plena e absoluta.

Fé pública

O ministro Marco Buzzi explicou que o ordenamento jurídico brasileiro fortaleceu a validade, a eficácia e o valor probante do documento público lavrado de forma legítima por notário, tabelião e oficial de registro, conferindo-lhe fé pública por previsão do artigo 3º da Lei 8.935/1994.

No entanto, ele ponderou que a fé pública atribuída aos atos dos servidores estatais e aos documentos públicos não pode atestar, de modo absoluto, a veracidade do que é apenas declarado, de acordo com a vontade, a boa-fé ou a má-fé das partes.

“Isso porque a fé pública constitui princípio do ato registral que protege a inscrição dos direitos, não dos fatos a ele ligados, de sorte que a eventual inexatidão destes não se convalida em favor do titular inscrito, por ficar fora do abrigo do princípio”, afirmou o ministro.

Declarações fictícias

No caso dos autos, Marco Buzzi destacou que as declarações que constam do instrumento público – especialmente o preço pago e a quitação passada por terceiros – foram engendradas, de maneira fictícia, apenas para cumprir requisitos formais para a transferência do imóvel.

O ministro também ressaltou que a plenitude, como prova, da quitação registrada em escritura pública só ocorre em hipóteses nas quais o pagamento é realizado na presença de servidor público, que atesta o valor e a forma de pagamento – e, mesmo assim, segundo o relator, em situações excepcionais, podem ser produzidas provas para demonstrar o contrário.

“O atributo de prova plena, absoluta e incontestável, que a parte recorrente pretende atribuir à escritura aquisitiva, de modo a desconstituir a exigibilidade do crédito executado, no caso sub judice, não é possível dar a tal instrumento, pois nele não consta ter sido realizado pagamento algum na presença do servidor cartorário, ao exequente ou aos antigos proprietários”, concluiu o relator.

Consequentemente – acrescentou –, “não existe relação direta, ou prejudicial, entre o que foi declarado no documento notarial (escritura) e a obrigação de pagar assumida pela recorrente perante o recorrido”.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.288.552 – MT (2011/0251084-3)
RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZI
RECORRENTE : TERTÚLIA AGROPECUÁRIA LTDA
ADVOGADO : DENIZ ESPEDITO SERAFINI E OUTRO(S) – MT005398A
RECORRIDO : JOSÉ AUGUSTO FERREIRA DA SILVA
ADVOGADO : HAMILTON FERREIRA DA SILVA JÚNIOR E OUTRO(S) – MT011322
EMENTA
RECURSO ESPECIAL – EMBARGOS À EXECUÇÃO DE
TÍTULO EXTRAJUDICIAL CONSISTENTE EM CONTRATO
PARTICULAR DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – ESCRITURA PÚBLICA AQUISITIVA OUTORGADA POR
TERCEIROS ANTIGOS PROPRIETÁRIOS DIRETAMENTE AO
COMPRADOR, A PEDIDO DO VENDEDOR, PROPRIETÁRIO
DE FATO – PREÇO E QUITAÇÃO FICTÍCIA CONSTANTE NO
DOCUMENTO PÚBLICO QUE NÃO RETIRA A EXIGIBILIDADE
DA OBRIGAÇÃO PACTUADA COM O VERDADEIRO
PROPRIETÁRIO – DECLARAÇÕES DAS PARTES AO OFICIAL
DE REGISTRO QUE POSSUEM PRESUNÇÃO RELATIVA DE
VERACIDADE ADMITINDO-SE PROVA EM CONTRÁRIO –
INSURGÊNCIA DO EMBARGANTE.
Cinge-se a controvérsia acerca da interpretação e alcance dos
arts. 215, caput, e 216 do Código Civil vigente, especificamente,
no caso ora em exame, se a escritura pública ostenta presunção
absoluta (jure et de jure) ou relativa (juris tantum) de veracidade e
se por instrução probatória é possível elidir a força probante do
instrumento
1. A fé pública atribuída aos atos dos servidores estatais e aos
documentos por eles elaborados, não tem o condão de atestar a
veracidade do que é tão somente declarado, de acordo com a
vontade, boa ou má-fé das partes, pois a fé pública constitui
princípio do ato registral que protege a inscrição dos direitos, não
dos fatos subjacentes a ele ligados.
1.1 As declarações prestadas pelas partes ao notário, bem
ainda o documento público por ele elaborado, possuem
presunção relativa (juris tantum) de veracidade, admitindo-se
prova em contrário. Precedentes.
2. A quitação, quando considerada ficta, exarada para fins de
transferência de propriedade, exige prova do pagamento para que
seja reputada consumada.
2.1 Consoante delineado pela Corte local, com amparo nos
elementos de convicção dos autos, inviável conferir o atributo de
prova plena, absoluta e incontestável à escritura aquisitiva – como
pretende a insurgente – a fim de desconstituir a exigibilidade do
crédito executado, pois no documento não consta pagamento
algum na presença do servidor cartorário ao exequente ou aos
antigos proprietários e, por consequência, não existe relação
direta, ou prejudicial, entre o que foi declarado na escritura e a
obrigação de pagar assumida pela recorrente perante o
exequente no contrato particular de compromisso de compra e
venda.
2.2 O acolhimento da pretensão recursal, no sentido de atribuir
validade absoluta às declarações constantes na escritura pública,
para elidir a exigibilidade do título exequendo, demandaria o
reexame do conjunto fático-probatório dos autos, providência
vedada a esta Corte Superior em razão do óbice da Súmula nº
7/STJ.
2. Para caracterização do dissídio jurisprudencial constante na
alínea “c” do permissivo constitucional é necessário que a parte
recorrente apresente paradigmas de mesma similitude fática
consoante previsão dos artigos 541, parágrafo único, do CPC e
255, §§ 1º e 2º, do RISTJ, o que não ocorre no caso,
inviabilizando o conhecimento do reclamo no ponto.
3. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão,
desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta extensão, negar-lhe
provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo e
Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão e Maria
Isabel Gallotti.
Brasília (DF), 24 de novembro de 2020 (Data do Julgamento)
MINISTRO MARCO BUZZI
Relator

Fonte: Direito Net

Back To Top