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Segundo o MPF, o Ministério das Relações Exteriores viola a Constituição ao negar direito de registro de brasileiros nascidos fora do Brasil

Em notícia divulgada na última sexta-feira (10/07), o Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação civil pública, com pedido de liminar, contra a União. Assim, o MPF requer que os consulados brasileiros registrem as crianças, nascidas no exterior, filhos de casais homoafetivos por técnicas de reprodução assistida. Portanto, que se registre em nome de ambos os pais/mães, desde que um deles seja nacional brasileiro, com a emissão da respectiva certidão. Mesmo que na certidão local conste apenas o nome de um dos pais/mães.

Situação jurídica incomum

O Ministério de Relações Exteriores (MRE), pelo seu Manual do Serviço Consular e Jurídico (MSCJ), vem negando esse direito constitucional. Todavia, isso tem criado uma situação jurídica incomum. Isto porque, filhos de casais homoafetivos por reprodução assistida estão sendo registrados devidamente com dupla filiação se nascerem em território brasileiro; no entanto, não possuem tal direito assegurado caso nasçam no exterior e sejam registrados em Representação Consular brasileira.

Convenção de Viena

Por isso, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão buscou explicações junto ao MRE. Assim, informaram seguir o artigo 5°, item f, da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, que estabelece, como uma das funções consulares, a de “agir na qualidade de notário e oficial de registro civil, exercer funções similares, assim como outras de caráter administrativo, sempre que não contrariem as leis e regulamentos do estado receptor”.

Entretanto, segundo o MPF, “tal argumento não procede, posto que o Poder Público não pode dar cumprimento a norma ou de tratados internacionais quando importar em violação de princípios e regras estabelecidos na Constituição Federal, assim como na no caso dos autos.

Assim, não é correto afirmar que a Convenção de Viena sobre Relações Consulares impeça o registro da dupla parentalidade. Especialmente de crianças havidas no exterior por meio de técnicas de reprodução assistida filhas de casais homoafetivos. Isso porque a referida Convenção celebrada em 1963 passou a vigorar em 1967, quando tal situação ainda era inimaginável ao estado da ciência da época”.

Na ação civil pública, além de assegurar o registro ainda que a certidão local conste apenas o nome de um dos pais, o MPF requer ainda a modificação da redação do item 4.4.46 do Manual do Serviço Consular e Jurídico (MSCJ) do Ministério das Relações Exteriores.


Três filhos e duas histórias diferentes

A ação movida pelo MPF resultante do inquérito civil público foi instaurado a partir de representação de um casal homoafetivo. O casal viu seus três filhos sendo tratados de maneira distinta pelos Consulados Brasileiros na hora do registro. Inicialmente, em 31/03/2016, eles tiveram o primeiro filho, em Katmandu, no Nepal. A criança foi concebida com material biológico do representante e foi gestada por meio de barriga solidária naquele país. Na ocasião, não tiveram dificuldades em registrar o filho.

Posteriormente, no dia 26/09/2016, nasceram os outros dois filhos do casal em Tabasco, no México. As crianças gêmeas também foram concebidas por meio de reprodução assistida, desta vez com material genético do cônjuge do representante, e gestadas em barriga solidária. Todavia, o Consulado Brasileiro em Tabasco negou o pedido de registro do nascimento dos bebês em nome de ambos os pais. A representação consular brasileira fundamentou a negativa argumentando seguir à risca as certidões de nascimento locais que traziam apenas o nome do cônjuge do representante.

O representante e seu cônjuge ainda argumentaram que em situação análoga o Consulado Brasileiro em Katmandu, Nepal, havia adotado solução diversa. Portanto, registrando o irmão mais velho dos bebês em nome de ambos os pais de modo a salvaguardar direitos fundamentais da criança e do casal.

Contudo, seus argumentos não foram acolhidos. Os recém-nascidos foram ao fim registrados somente em nome do cônjuge do representante, sem referência e sem o nome do outro pai.

Portanto, “a adoção de soluções diferentes para circunstâncias idênticas em representações consulares do Brasil em Katmandu e em Tabasco rgerou situação anti-isonômica entre os irmãos”.

Assim, o filho primogênito do casal goza de todos os benefícios e da ampla proteção advinda da dupla filiação;  já os irmãos mais novos foram excluídos do direito à filiação e nome em relação a um de seus pais.

Entretanto, demonstra-se na representação que o casal tentou solucionar a questão junto ao Itamaraty por meio de sua advogada, porém sem sucesso. Para justificar a negativa, o MRE declarou que não poderia efetuar o registro porque em assim proceder, estaria violando a legislação mexicana”.

Entretanto, o estado de Tabasco não proíbe a gestação por sub-rogação, diferentemente dos argumentos apresentados pelo MRE. No questionamento do MPF, disseram que “em exame detido da legislação mexicana de fato indicava não haver proibição expressa ao registro de nascimento de menores havidos por método de substituição de gestação”. Contudo, alegam seguir a Convenção de Viena para justificar a negativa de registro.

Assim, ressalta o MPF que: “A interpretação jurídica do MRE acerca do tema impediu o registro com dupla filiação de outras crianças brasileiras nascidas no exterior, filhas de casais homoafetivos”.

Evolução da união homoafetiva

Entretanto, para o Estado Brasileiro, a união homoafetiva é entidade familiar, merecedora de especial proteção nos exatos termos do artigo 226 da Constituição da República. Por isso, o Supremo Tribunal Federal (ADI n. 4.277 DF e na ADPF n. 178) já pacificou entendimento sobre a matéria.

Portanto, a referida decisão evoluiu para a garantia dos demais direitos fundamentais que derivam naturalmente do reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar: possibilidade de casamento e constituição de união estável diretamente em cartório; possibilidade de adoção por casais homoafetivo; reconhecimento de parentalidade socioafetiva; registro de dupla parentalidade, entre outros.

Dessa forma, em 2015, ao julgar o Recurso Extraordinário 846.102 que tratava especificamente a questão da adoção por casal homoafetivo, o STF reafirmou não haver dispositivos legais que possam diferenciam a adoção homoparental da adoção por casais heteroafetivos.


Fonte: Notícias Concursos

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