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Incorporadoras comercializam frações de quartos para viajantes, que podem utilizá-los por alguns dias ao ano

Existem hoje no Brasil 109 empreendimentos de multipropriedade, que permitem ao cliente ser dono de um quarto de hotel —ou pelo menos de parte dele.

Os apartamentos são divididos entre várias pessoas, em cotas de uma ou mais semanas de uso anual. Cada proprietário divide seu imóvel com até 51 outros donos.

O segmento cresceu 18% no ano passado em relação a 2019, segundo a consultoria imobiliária Caio Calfat.

O primeiro hotel da rede Hard Rock no Brasil, em Fortaleza, está sendo construído nesse modelo, com inauguração prevista para o primeiro semestre de 2022. A incorporadora VCI, responsável pelo empreendimento, também vai inaugurar um resort da marca em Sertaneja (PR), chamado Ilha do Sol, no mesmo ano. A rede terá ainda unidades com multipropriedade em Natal, Recife e Foz do Iguaçu.

O modelo surgiu no Brasil com empresas que comercializavam flats e é semelhante a outro tipo de compartilhamento de hospedagem, o timeshare, praticado no país desde o final dos anos 1980 e popular em grandes resorts.

A diferença é que, no timeshare, o cliente compra o direito de usar diárias de um hotel, mas não sua propriedade. Ele adquire pontos, que são convertidos em diárias e podem ser gastos ao longo de um período definido de anos. Se quiser gastar todos os pontos de uma só vez, alugando vários quartos ao mesmo tempo, por exemplo, nada o impede.

“A grande vantagem é que você congela o preço da hospedagem, independentemente da oferta e da demanda”, diz Bruna Apolinário, gerente-geral do Aviva Vacation Club, programa de timeshare do grupo Aviva, que engloba os resorts Rio Quente, em Goiás, e Costa do Sauípe, na Bahia. O clube existe há mais de 20 anos e tem 33 mil famílias cadastradas.

Em média, as diárias compradas por timeshare têm desconto de 30%. Os participantes também podem vender seus pontos para terceiros ou trocá-los por estadas em outros resorts.

Já na multipropriedade, o cliente compra um pedaço de um imóvel. Ele é dono daquele quarto de hotel por algumas semanas, para o resto da vida —pode revendê-lo ou passá-lo por herança.

Segundo empresas do setor, é uma forma de ter uma segunda residência, para férias, sem pagar o valor integral de um imóvel. “Não faz sentido a pessoa gastar R$ 1 milhão em um apartamento para utilizá-lo de 5% a 8% do ano”, diz Samuel Sicchierolli, presidente da VCI. “É um sistema bem mais inteligente.”

É também mais rentável para as incorporadoras. Segundo Fernando Baracho Martinelli, professor da pós-graduação em gestão de meios de hospedagem do Senac e diretor da Interval International, que faz intercâmbio de multipropriedades, em vez de vender um imóvel para um cliente por R$ 200 mil, a empresa pode comercializar o mesmo apartamento para dezenas de clientes em cotas de R$ 50 mil, por exemplo.

O proprietário também paga uma taxa de condomínio, proporcional à sua fração.

Quando não quiser usar sua semana, o dono da fração pode alugá-la por conta própria ou disponibilizá-la para a empresa que administra o hotel, no chamado pool. O apartamento será comercializado como um quarto tradicional.

Se optar por alugar por conta própria, o proprietário pode anunciar em sites de venda, em suas redes sociais ou em grupos especializados em multipropriedade.

Há ainda a opção de trocar a estada por uma reserva em outro hotel com o qual a empresa tenha parceria.

Apesar dessas características, a multipropriedade e o timeshare não devem ser vistos como investimentos, diz Martinelli. Como a remuneração pelo aluguel da cota varia conforme a procura dos viajantes e a temporada, não há garantia de que o imóvel sempre estará alugado ou de que o pool dará bons rendimentos.

“O objetivo principal é comprar para ter semanas de férias em um empreendimento bacana para o resto da vida”, afirma o professor.

Segundo Rafael Almeida, diretor-executivo do grupo Natos Multi, que tem um empreendimento multipropriedade em Olímpia, no interior paulista, e vai lançar outros dois, esse tipo de negócio funciona melhor em destinos turísticos já consolidados e que tenham muitas atrações, para que o cliente sempre queira voltar.

Almeida ressalta que a cidade, famosa por seus parques aquáticos, está abrindo novos atrativos, como um bar de gelo e um museu de cera, que estão em construção.

Também é possível transformar hotéis e resorts que faziam hotelaria tradicional em multipropriedade.

Em janeiro, o jornal O Globo noticiou que o Hotel Nacional, prédio projetado por Oscar Niemeyer, com jardins de Burle Marx, seria convertido em multipropriedade pelo WAM, grupo que administra o local desde 2019.

Danilo Samezina, diretor de estratégias e novos negócios da empresa, nega a informação e diz que a meta é tornar o hotel, inaugurado no Rio em 1972, um “resort urbano” para atrair famílias, no modelo de hotelaria tradicional.

Mas ele afirma que a conversão é uma boa saída para resorts que estão fechados ou em dificuldades, e acredita que haverá uma nova onda de empreendimentos multipropriedade, agora fincada no resgate e conversão de resorts que já existem.

COM BRINDES, VENDAS QUE APELAM A IMPULSO REQUEREM CAUTELA

A venda da multipropriedade e do timeshare costuma ocorrer em parques ou nos resorts. Os vendedores chamam os visitantes para participar de uma apresentação e oferecem brindes.

Segundo o advogado Ricardo da Rocha Neto, sócio-fundador do escritório Abe Giovanini, as técnicas de venda utilizadas são agressivas e apelam para a emoção dos compradores em potencial.

A ideia é criar uma compra impulsiva, o que pode resultar em arrependimentos. “Isso gera mais cancelamento, mas é algo característico do negócio. É assim no mundo inteiro”, afirma Martinelli.

Por isso, é importante não se deixar levar pela emoção —ou pela pressão— ao ser apresentado a esse tipo de negócio e o encarar como uma transação imobiliária.

Se não tiver familiaridade com o assunto, Neto recomenda consultar um advogado antes de assinar o contrato.

Caso o arrependimento bata durante o pagamento das prestações da cota, uma opção é pedir distrato, mas, neste caso, a incorporadora poderá cobrar uma porcentagem do valor do imóvel como multa por quebra de contrato.

Com sua fração já quitada, a funcionária pública Valéria Dornelas, 53, decidiu, há um mês, pôr à venda sua cota de 28 dias em um apartamento de dois quartos em um resort de Olímpia. Ela adquiriu o imóvel com uma antiga proprietária, em dezembro de 2018, em um site de vendas.

Apesar de gostar da cidade e do resort, a viagem de seis horas de carro entre Suzano, onde vive, e Olímpia, está dificultando seu aproveitamento.

Quando comprou a cota, a ideia era trocar as diárias em Olímpia por outros resorts do mesmo grupo, para variar os destinos, mas isso acabou não sendo tão fácil: segundo ela, há poucos locais disponíveis para a troca que tenham apartamentos de dois quartos, adequados para receber suas duas filhas, marido, genro e neto de um ano.

“A maioria dos resorts só tem quartos para quatro pessoas. Para uma família desse tamanho é um negócio muito interessante, mas para mim não funciona”, diz.

A alta concorrência com outros proprietários na hora de alugar sua cota também pesou na decisão da venda. Quando não pode viajar, Dornelas costuma alugar seu quarto para outros viajantes por cerca de R$ 150 a diária, um terço do valor cobrado diretamente no site do resort para um apartamento como o dela durante os finais de semana em fevereiro.

Nos grupos, há quem cobre ainda menos, o que a fez pensar que poderia ser mais conveniente não ter sua cota própria, mas alugar de outros donos quando quiser visitar a cidade. “Tem uma pessoa no Facebook oferecendo diárias por R$ 100. Depois que entrei nos grupos, vi que não vale a pena ficar com o dinheiro lá parado”, diz.

ENTENDA AS DIFERENÇAS DAS MODALIDADES

Multipropriedade

–É a compra de uma fração de um imóvel, em resorts construídos para operarem dessa forma ou que foram adaptados para a multipropriedade

–Cada fração —ou cota— equivale a uma ou mais semanas de uso ao ano; é possível comprar mais de uma fração

–A fração é registrada em cartório e pode ser vendida ou passada em testamento

–Paga-se condomínio sobre a cota

–As semanas de uso podem ser fixas, definidas em contrato, ou rotativas, quando os períodos de uso mudam a cada ano

–É possível que as semanas de uso sejam fracionadas

–Se o contrato permitir, o proprietário pode trocar sua semana com outros donos ou alugá-la para terceiros

–Também pode mandar sua cota para o pool do resort, que irá comercializá-la e repassar parte do valor

–O proprietário pode trocar seu tempo por diárias em outros resorts do mesmo grupo ou usar empresas intercambiadoras, que trocam os pontos de um resort por diárias em outras propriedades pelo mundo, se houver uma parceria

Timeshare

–É a compra antecipada de reservas em hotéis; o valor é convertido em pontos, usados para reservar quartos durante alguns anos

–O usuário pode doar para outra pessoa as reservas feitas com seus pontos, ou vendê-las em grupos e sites de venda

–As diárias compradas com pontos costumam ser mais baratas do que o preço pago por outros hóspedes

–É possível reservar mais de um quarto ao mesmo tempo

–É preciso fazer suas reservas com antecedência, já que não há datas pré-definidas para cada usuário; todos os membros do programa de timeshare disputam as datas, e períodos com maior procura custam mais pontos

–A cada uso dos pontos, é preciso pagar uma taxa de utilização

–Pode haver parceria com empresas intercambiadoras

Fonte: Folha de S. Paulo

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